Por Frederico Cortez
O mundo “tech” está cada dia mais presente no sistema judiciário do País, com suas aplicações em inteligência artificial (IA), Chatterbot e uma séria de outras ferramentas digitais. A força tecnológica é tanto, que já há uso de IA para fins de padronização de julgamento. Com isso, a sinalização foi positiva para o surgimento de inúmeras plataformas digitais com a finalidade de renegociação de dívidas e recuperação de crédito e de compra de ativos judiciais, também conhecida por “lawtech”. Uma ponte entre o consumidor e o credor, que envolve direito consumerista, direito contratual e outras legislações.
Uma vez formulado esse novo modal, eis que surgem os “ativos judiciais”. Tal produto econômico, nada mais é do que a “compra” de um direito num litígio em potencial ou já em trânsito na esfera judicial. No caso, o negócio é formatado da seguinte forma. A plataforma digital monta um banco de dados de clientes devedores junto às instituições financeiras e empresas, informações essas repassadas ao arrepio da Lei, e a partir daí se inicia a construção de grande rede. Com o disparo de “avisos”, muitas vezes camuflados de ameaças veladas ao consumidor e por meio de mensagens via SMS, WhatsApp ou e-mail, se inicia a ligação entre os pontos (consumidor, plataforma digital e credor). Agora, a tríade está formada e tudo isso sem um auxílio de um (a) profissional da advocacia.
Destaque-se que, tais “lawtechs” (companhias desenvolvedoras de produtos e serviços tecnológicos direcionados para o mercado jurídico) estão tratando diretamente com a relação de consumo, ambiente esse dotado de no mínimo um regramento específico imposto pelo Código de Defesa do Consumidor, Código Civil (direito bancário, direito contratual etc), Resoluções/Notas Técnicas de agências reguladoras. Ou seja, fora do seu escopo inicial.
Assim, avalio que tais empresas não têm a legitimidade de intermediar negociações de dívidas com um apelo jurídico ou mesmo com a própria chancela do Poder Judiciário. O fato de ter em seus nomes termos “Tribunal”, “Law” (lei em inglês) e outros assemelhados ao habitat jurídico, pode levar o consumidor para uma interpretação equivocada quanto à real posição dessas empresas digitais na hierarquia perante o órgão julgador.
A questão aqui não é ser contra a mediação, conciliação, arbitragem ou outro meio de resolução de conflito no âmbito extrajudicial ou judicial. Mas sim, chamar a atenção das autoridades competentes para o brotamento de empresas que não têm legitimidade, tampouco capacidade técnica, para formatar uma proposta de acordo à luz da proteção do consumidor. De bom grado lembrar que, o artigo 18 do Código Civil brasileiro dista que “Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.”
No tocante às ações ajuizadas junto ao Poder Judiciário, já há plataformas virtuais que adquirem direitos de crédito de processos judiciais nas áreas trabalhista, consumidor, débitos condominiais e até mesmo de disputas que envolvem empresas. Aqui, a dinâmica é mais ou menos parecida com a descrita acima. A empresa digital identifica uma ação com um “bom direito” e faz a proposta de “compra” ao seu titular, com aplicação de deságio com base no valor da causa.
A partir de então, o cidadão não tem mais nenhuma relação com a ação processual. Assim, a empresa que adquiriu o ativo judicial passa a dar prosseguimento na ação e vislumbrando de todos os modos e meios onde poderá aumentar mais ainda o seu ganho no curso do processo. Que estranho mundo jurídico estamos agora!
Resumindo esses dois cenários apresentados. O direito agora é um ativo econômico, aos olhos de todos!
Diante das maravilhas apresentadas pela tecnologia, o Poder Judiciário está fechando seus olhos para essa escalada que aqui trago ao debate. A coisa está tão desenfreada, que inclusive já há Tribunais de Justiça estaduais pactuando com essas plataformas digitais ao fazerem convênios para fins de apresentar um novo meio de solução de conflitos para as pessoas que se socorrem à justiça. Pasmem!
Também, pouco ou quase nada se tem visto a Ordem dos Advogados do Brasil atuar como um observador ativo e eficaz quanto aos novos modelos de resolução de causas extrajudiciais e judiciais no âmbito virtual. Infelizmente, diga-se de passagem!
Para muitos, a percepção comum é de que se busca uma reserva de mercado para a classe advocatícia. Contudo, ao se aprofundar sobre toda essa engenharia econômica por trás das plataformas digitais de recuperação de crédito e de compra sobre os direitos em litígio, depreende-se de fácil modo que o financeiro se sobrepõem à justiça. De certo que a justiça não é célere, no entanto há a necessidade dessa “demora” para fins de se resguardar o próprio direito da parte mais fragilizada.
Em linha, a Constituição Federal de 1988 prescreve em seu art. 133 que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Assim, quando o viés tecnológico-econômico turva a justiça e a encanta com propostas e promessas que beiram o paraíso, fique certo que o seu direito está em risco.
O judiciário jamais deve curvar-se às facilidades financeiras viabilizadas pela tecnologia, quando o direito da parte carecer de um acompanhamento técnico e ético. Fica a dica!