O homem cordial não suporta o peso da individualidade, precisa viver ‘nos outros’ Sérgio Buarque de Holanda – O homem cordial”.
Que vivemos um impasse institucional não há como negar. Tratar este desvio pode ser um desafio que esteja acima das nossas forças e do caráter que moldamos nestes anos de uma relativa República relativizada e tão pouco republicana.
O Brasil, país de convergências esperadas e solidário compartilhamento de interesses, o acordo e as combinações estão no cerne de todas as decisões, inclusive, quando nada decidimos. Não por outra razão, exercem função essencial e originária na formação do Estado e da governabilidade.
Talvez pudéssemos começar, antes de mergulharmos por inteiro nessa perquirição, por uma proposição lógica: como conseguimos conviver com todos os impasses que regem os destinos deste país? Por que não conseguimos desatar esses nós-cegos? Por que nos negamos a enfrentar a realidade que buscamos mudar, a todo preço, segundo um ideário falso de harmonia e entendimento?
Quem nos garante que nós, brasileiros, somos “homens cordiais”? Sérgio Buarque de Holanda provou que não osomos tão cordiais quanto gostaríamos de ser, assim como nos pintamos, conforme a imagem que de nós criamos para fugir da realidade que nos desafia?
Estamos, a rigor, a pagar dívida vencida, que começou com a colonização extrativa e anti-civilizatória exercida pelos audazes aventureiros da “pátria lusitana”. Com o escravismo africano e o apresamento das “populações originárias” foram por aqui estabelecidas relações primitivas de comércio e de catequese. O Brasil, histórica e culturalmente, é a resposta a esse “investimento” regulado pela fé e pela cupidez dos conquistadores.
Ocupamos um território deserto de almas e intenções e demos-lhe a cara de país e nação e nele pusemos uma elite de mercadores e de comissários de entrepostos coloniais e uma população a que chamamos — de povo. Foram-lhe negados, entretanto, os instrumentos da cidadania, a educação e a liberdade.
A cultura, dela se encarregaram os antropólogos em nos conceder, modeladas a seu gosto e pela curiosidade de estrangeiros entre ímpios desafortunados, um cultura construída entre vestígios de tradição local e sutilezas civilizadas trazidas da Peninsula…
Em nome da ciência, esses especialistas de cultura acumulada insistem de nos enfiar em uma campânula e lá nos deixarem em banho-maria, a cuidar da preservação da nossa identidade, como se faz para a conservação de embriões, mergulhados em precipitados regeneradores.
É com esta matéria prima bruta que tentamos construir a nossa história, as instituições e o caráter nacional que, associados, emprestam a um território, ao povo, às prescrições morais ancestrais e às riquezas por explorar a ideia e as dimensões de — país.
Até agora pouco mais criamos do que uma medida de calor e de volume: a América Latina!
Somos o mais poderoso país — da América Latina. Tudo aqui de mede tendo a proporção “América Latina” como indicador bem resolvido. O mais rico e o mais belo ajuntamento de gente — da América Latina… O nosso céu “tem mais estrelas” e os nossos bosques, naturalmente, têm mais flores”… A clava forte é uma figura de retórica que repetimos sem saber para que essa arma serve.
O caos institucional apoderou-se de um conceito vago de democracia e tem a força de convergências poderosas. De um lado, a ignorância e de outro a esperteza e a cupidez. Associadas, estas franquias geram um impasse que de ímpeto civilizatório têm muito pouco.
Paulo Elpídio de Menezes Neto é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC, ex-secretário de Educação do Ceará.