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Uma nova guerra. Um outro mundo; Por Dimas Oliveira

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Por Dimas Oliveira
Especial para o Focus

NIRVANA E BIQUÍNIS VÃO A GUERRA
Dançando ao som de Smells like Teen Spirit, da banda de rock Nirvana, Alex Hook, oficial do exército ucraniano com milhões de seguidores no TikTok, apareceu ao lado de colegas empunhando fuzis. Quase 50 milhões de pessoas visualizaram. Segundo internautas seria uma forma de tranquilizar os milhões de fãs que se preocupavam com a sua situação na guerra.

Do outro lado do mundo, a milhares de quilômetros do front, a estilista americana Danielle Bernstein, dona da marca Weworewhat, com quase tres milhões de seguidores no Instagram, lançou um biquíni exclusivo alegando que os lucros iriam para o povo ucraniano. Não colou, gerando criticas furiosas de seus seguidores que a acusaram de querer promover sua marca.

No mesmo contexto, o Facebook, com quase tres bilhões de usuários, apresentou ao mundo a historia de um menino ucraniano de 11 anos que, viajando sozinho mais de 1.000 km desde Zaporozhye, cidade que abriga uma usina nuclear, conseguiu cruzar a fronteira daquele Pais. Na mão, um número telefônico deixado pelos pais, uma mochila, um saco plástico e o passaporte. O pré-adolescente, de nome não divulgado, foi saudado como herói pelo Ministério do Interior da Eslováquia, responsável pela notícia.

Para milhões, ao mesmo tempo em que o Tiktok, aplicativo Chinês de videos curtos, fazia seu debut improvável no conflito, e o instagram e Facebook viravam notícia, chegava a informação de que outro gigante da tecnologia, a SpaceX, do bilionário Elon Musk, da Tesla, ativaria seus satélites de internet Starlink atendendo a um pedido da Ucrânia. Somados, Tiktok com valor de mercado de 59 bilhões de dólares, Instagram 100 bilhões, SpaceX 100 bilhões e Facebook 600, alcançam a astronômica cifra de 859 bilhões de dólares.

Apenas quatro empresas, três delas meras redes sociais, ultrapassando todas as reservas russas, avaliadas em 630 bilhões de dólares em ouro e moeda estrangeiras, e sobrepujando ainda, caso fossem somadas, as fortunas dos novos magnatas ligados a Putin, amigos que se assenhoraram das estatais criadas pelo povo soviético e que hoje sofrem diretamente as sanções de todo o mundo.

Na lista, Alexei Mordashov, o barão do aço, com uma fortuna de 29 bilhões de dólares, Gennady Timchenko, no negócio de gás e petroquímica com 21 bilhões, Alisher Usmanov, aço, prata e ferro com 15 bilhões, e Roman Abramovich, o famoso dono do Chelsea, que participa na indústria do aço, com fortuna avaliada em 13 bilhões de dólares. Além deles, outros como Mikhail Friedman, dono do maior  banco privado na Rússia, com fortuna estimada em 12 bilhões de dólares.

A comparação deveria chamar a atenção não apenas pelas cifras, mas por algo mais profundo e revelador, a herança soviética em sua forma inescapável: a natureza dos produtos apresentados. Commodities, gás, aço, matérias primas, tentando equilibrar um jogo impossível. Lembrança do poderoso impacto da revolução cientifico técnica a aprofundar a dependência dos países sem tecnologia de ponta diante dos países capitalistas centrais.

Estes últimos, baseados numa produção com alto valor agregado onde a nanotecnologia, robótica, biotecnologia, chips, semicondutores, química fina e outros processos de inovação tecnológica são alguns exemplos, submetem os países exportadores de matérias primas, como a Russia, a um jogo de cartas marcadas. A California, o mais rico estado dos EUA, sede do Vale do Silício, com  PIB estimado em 2 trilhões de dólares contra 1,65 da Rússia, é a cabal expressão dessa realidade.

Vistos separadamente, as informações sobre as empresas e os números por elas ostentados, bem como os pequenos relatos sobre a guerra, pareceriam eventos comuns num mundo complexo e conectado. Simbólicas implicações de um tempo estranho onde o espetáculo e a força econômica dos atores no conflito bem como o teatro onde a peça se desenrola, a velha Europa, requerem nexos onde aparentemente nada mais pode ser encontrado.

O ESPÍRITO DE XIAO PING CAÇA RATOS NO KREMLIN
Num outro plano do conflito, a guerra de informações, Tiktok, Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Netflix e Microsoft barraram das suas plataformas Russia Today (RT), Sputnik e TASS, canais ligados ao Governo Russo. Putin, acostumado a controlar as versões internas através dos canais oficiais, fez aprovar uma nova legislação em que ameaça com prisões de até 15 anos, quem divulgar informações contrarias aos interesses Russos.

Bloqueando a conexão do Facebook no pais, deve ter recebido com surpresa o comunicado da rede Chinesa Tiktok que, diante da nova lei, decidiu suspender suas atividades, alegando a segurança de seus usuários e empregados. Putin não deve ter percebido, mas uma pequena sombra chinesa vinda do passado percorreu o Kremlin a procura de ratos.

Expurgado por Mao Tse Tung e reintegrado ao Partido Comunista após a morte deste, o líder chinês Dao Xiao Ping, escolheu justamente as áreas de tecnologia e educação para atuar numa China mergulhada na fome. Aproximou-se do Japão e dos Estados Unidos e implementou uma série de reformas visando retirar o capitalismo burocrático Chinês da letargia. É dele a famosa frase,“Não importa a cor do gato, importa que pegue os ratos”. A tecnologia, venha de onde vier seria a saída, mesmo que sobre os cadáveres de jovens assassinados na praça da Paz Celestial.

No mundo das criptomoedas, internet das coisas e passeios turísticos espaciais, onde qualquer coisa pode ser precificada e vendida através de poderosos algoritmos, Putin se enreda na teia armada pelas potências globais de um lado ao outro dos oceanos. Nas pontas a poderosa Alemanha e os Estados Unidos.

São emblemáticas a exclusão da Russia do sistema mundial de comunicação interbancária chamado Swift, que da Bélgica articula 11 mil instituições financeiras conectadas a 200 países, além do bloqueio de suas reservas, numa tentativa de asfixiar o comercio da Russia. O próximo e importante passo é impedi-la de comprar softwares e semicondutores, os “combustíveis” do novo mundo.

A revolução científico-técnica a cobrar, finalmente, um preço altissimo para países que sobrevivem explorando os seus recursos naturais como forma de comprar a tecnologia que não dispõe. As filas em toda a Russia e a falta de conexão com simples celulares são o um aperitivo dessa dependência.

AS RAZOES DA GUERRA E O COMPLEXO MILITAR INDUSTRIAL
Entre Russia e Ucrânia, as razões da guerra não devem ser procuradas apenas no passado e nem mesmo nas ideias de um novo mundo que se insinua. Esse é um limbo traiçoeiro. Ela, a guerra, já é a própria resposta, o resultado de forças colossais em curso perene. Ao centro o complexo militar industrial com seus lobistas na OTAN, parlamentos e executivos das principais potências.

Segundo Jonathan Ng, Ph.D. em História nos EUA, através de artigo publicado no TruthOut, os gastos em 2020 da indústria bélica nos Estados Unidos com cerca de 700 lobistas, três quarto deles ex-trabalhadores do governo federal, foi de 108 milhões de dólares. Afirma também que em tres décadas, mais de 500 funcionários do Congresso em comitês militares, deixaram os cargos para trabalhar em empresas de defesa. No caminho inverso, da indústria bélica ao Governo, um exemplo emblemático é o do próprio Secretário de Defesa de Biden, Lloyd Austin, da Raytheon.

Jonathan lembra que recentemente o atual CEO da mesma Raytheon, Greg Hayes, na expectativa da guerra, falava que as tensões que se avizinhavam haveriam de trazer benefícios para a empresa. Após a implosão da União Soviética e o refluxo orçamentário, a expansão para o leste seria inevitável. Ao entrar na OTAN o novo sócio se sujeita a comprar armas do clube onde, Raytheon, Lockheed, Northrop, Boeing são alguns dos anfitriões. Os recém admitidos, 14 países da Europa Central e Ocidental compraram quase 17 bilhões de dólares nos últimos anos.

DO ESTERTINO AO ADRIÁTICO, DESCE A CORTINA DE FERRO
Após 76 anos do célebre discurso de Churchill que marcaria a influência soviética no leste, “De Estetino, no mar Báltico, até Trieste, no mar Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente…” pareceria inimaginável que os Países da ex-cortina de ferro, que recentemente ingressaram na OTAN estivessem, inversamente, se desfazendo de suas próprias armas, vendidas ao oriente enquanto absorvem armas ocidentais. A corrupção nesse sentido é desenfreada. Segundo o historiador a própria Ucrânia perdeu US$ 32 bilhões em ativos militares, armas vendidas por seus oligarcas.

A insaciável fome por novos mercados, aguça o apetite da indústria bélica na direção dos despojos de um leste vencido. Para a Alemanha, na contramão da OTAN, o momento exigiria novas armas de conquista. Principalmente a cooperação, visando novos mercados. A experiência da reunificação lhe indicou que o preço pela retomada do curso natural do capitalismo em todo o leste, interrompido em poucas décadas pela revolução soviética – forma ilusória de se tentar domar a dinâmica da economia mercantil – pode ter caminhos menos tortuosos.

Infelizmente os efeitos da guerra conseguiram dobrar a própria Alemanha que já anunciou um expressivo aumento de gastos militares, tomando uma direção que nunca ousou desde a Segunda Guerra mundial. Com o mesmo espírito, a Suíça abandonou a sua tradicional neutralidade e enviou armas pra a Ucrânia. Nada mais simbólico. O complexo militar industrial, para usar o termo de Eisenhower, vive dias de festa.

Importa não esquecer que, apesar da pandemia, o gasto militar global teve um incremento de 2,6% em 2020, chegando a 1,98 trilhões de dólares. Os EUA gastaram ceca de US$ 778 bilhões desse total, enquanto a Rússia cerca de US$65 bilhões.

Apesar do seu termidor, ao assumir formas distintas de existência, o modelo capitalista soviético que combinou estatização absoluta com controle burocrático e policial – onde sob as ordens de Stalin milhões perderam suas vidas – deixou no entanto um legado poderoso. As ideias sobre as possibilidades de um outro mundo possível, com justica social, capaz de mobilizar milhões de trabalhadores em todo o mundo a exigir dos seus países mais direitos. A vitória contra o nazismo foi a expressão máxima desse processo. Não é por acaso que muitos analistas críticos do imperialismo ocidental, amenizam o novo imperialismo russo.

Desse complexo e contraditório legado, as armas nucleares de destruição em massa são o resultado mais terrível. Putin se aproveita disso, e apesar de defender parte do modelo que o constituiu no passado, procura distanciar-se de qualquer lembrança incômoda da História russa. Lenin, o pai da revolução que considerava o desrespeito à autonomia dos povos algo imperdoável, entrou na sua linha de tiro. Para Putin, as ideias de Lenin implodiram a União Soviética. Tivesse lido mais Marx ao invés de manuais de espionagem poderia ter chegado a outras conclusões.

PUTIN RENEGA LENIN
A História deixa suas lições. Doente, Lenin foi informado que Ordzhonikidze, emissário de Stalin, agrediu lideranças bolcheviques na Geórgia que exigiam maior independência de Moscou, posição apoiada por Lenin mas não por Stalin. É o famoso “caso Georgiano”. Indignado, escreve então um duro texto dirigido ao Partido. Nele fica explicitado por qual motivo Putin hoje lhe dirige criticas sobre a sua visão de internacionalismo. Criticas absorvidas sem nenhuma perplexidade por grande parte da própria esquerda.

O texto intitulado, “para a questão das nacionalidades ou da autonomizaçāo” é poderoso e só foi publicado em 1956, três anos após a morte de Stalin. Nele, Lenin crítica a opressão sobre outros povos e considera necessário combater as ideias de supremacia do homem Russo. “Se chegou ao ponto de Ordzhonikidze usar violência física, como o Sr. Dzerzhinsk me relatou, então você pode imaginar o atoleiro em que estamos.” 

E depois de discorrer sobre o aparato estatal, enfatiza “sob tais condições, é natural que a liberdade de deixar a união com a qual nos justificamos, acabe se tornando um pedaço de papel sem valor, incapaz de proteger os povos não russos da invasão do verdadeiro homem russo, o grande chauvinista russo, que é essencialmente um canalha estuprador, que constitui o típico burocrata russo”.

E continua, “Não há dúvida de que um pequeno percentual de trabalhadores soviéticos e sovietizados se afogará neste mar de escumalha chauvinista da Grande Rússia como mosca no leite. […] A questão importante é: nós tomarmos medidas e cuidados suficientes para realmente proteger os não russos da verdadeira derzhimorda russa”. Na tradução do texto em questão publicado pela revista movimento, a professora Svetlana Ruseishvili explica que o termo derzhimorda, significa o burocrata policialesco que usa o seu poder para reprimir a autonomia, iniciativa e liberdade dos subordinados.

E é exatamente desse mundo de ambiguidades cínicas e complexas que jornalistas e acadêmicos sérios se esmeram honestamente para encontrar as razões da guerra, procurando como arqueólogos desde a genética das populações que formaram a velha Russia e Ucrânia, aos nomes e caprichos dos lideres mortos.

Atônitos, escrutinam nos soldados em guerra os semblantes dos espíritos do passado, sejam eles Vikings, Turcos, Poloneses, Eslavos, Cossacos, Russos, e tantos outros. Buscam, equivocadamente, espectros de ontem que possam ser preenchidos pela carne no presente.

MAIS QUE A RÚSSIA E ARMAS NUCLEARES, OTAN E OCIDENTE TEMEM ALEMANHA
Alguns anos antes da queda do muro de Berlim, o líder soviético Mikhail Gorbachev, consciente da impossibilidade de se manter a divisão das Alemanhas, tentou convencer o líder da Alemanha Oriental, Erich Honecker, a antecipar-se promovendo reformas. Este, além da recusa, emendou um sinistro pedido, queria apoio para repetir o remédio Chinês da praça da paz celestial, ou seja, esquecer os limites e usar o exercito contra o povo se necessário. Numa palavra, assassinato. Gorbachev negou-se.

Antes da sua deposição, Honecker diria uma frase que ficou famosa exatamente por sublinhar a absoluta alienação dos burocratas diante da força dos processos sociais, “o muro ainda durará 50, 100 anos”. O resto é história.

Mais de trinta anos depois, a guerra entre a Russia e Ucrânia guarda estreitas relações com esse período. Entre diversos pontos acertados para a retirada dos 380 mil soldados soviéticos da Alemanha Oriental, constava uma proposta oferecida a Gorbachev pelos Alemães, sugestão dos EUA, exatamente a não expansão da OTAN para o leste. A época nada foi escrito e quando o chanceler Alemão Helmut Khol comunicou ao mundo os detalhes da reunificação, Gorbachev ficou perplexo com a arrogância. Mesmo concordando com a sugestão, nada havia sido firmado oficialmente.

Havia um outro problema que lhe chamava atenção. Alertava que ao mesmo tempo em que a economia global ganhava impulso para uma aglutinação, uma tendencia inversa era percebida. A pulverização dos Estados, o nascimento de feudos regionais, a reação para dentro, para o gueto, e, com ele, o renascimento de sentimentos nacionais como o neonazismo e ideologias fascistas e de direita, buscando uma supremacia racial e histórica que pudessem se contrapor a esse movimento econômico inevitável.

Sobre esse período, Mary Sarotte, pesquisadora da universidade de Harvard, responsável pela analise de materiais e documentos que embasaram seu livro sobre a OTAN, “Not one inch”, ou “nenhuma polegada a mais” é assertiva quanto a insistência de Putin de ter tudo por escrito nas negociações atuais. Segundo ela, o episódio envolvendo Gorbachev ficou marcado na memória dos dirigentes russos. Naquela época, com o País vivenciando uma crise sem precedentes o líder da Perestroika e Glasnost preferiu lidar, e mal, com as compensações econômicas.

O DILEMA ALEMÃO
Agora a velha Alemanha, centro do capitalismo na Europa, vê-se no dilema entre aprofundar as relações ou distanciar-se da Russia. As potências ocidentais capitaneadas pelos Estados Unidos e outros países da UEE sabem exatamente o significado de uma parceria entre os dois países. A Alemanha com tecnologia de ponta, carros, maquinas, produtos já enviados para Moscou e recebendo por isso, matérias primas naturais onde o gás, apresenta-se como estratégico, retomando um protagonismo global.

No centro da polêmica o gasoduto Nord Stream 2, que traria gás da Russia e que contava com o processo final das certificações pelos reguladores Alemães. Visto com temor por Washington e OTAN desde o inicio, por ser uma raiz cravada no coração da Europa por dois países que se completam num abraço estratégico entre Europa e Asia. De um lado tecnologia de ponta e do outro, matérias primas. Em que pese o abismo entre as duas economias, o negocio seria excelente para ambos.

Os Estados Unidos compreende que após a confiança se estabelecer, novos negócios surgem. Com o tempo, barreiras comerciais são retiradas e o próprio dólar se fragiliza como lastro para compensações nesse processo. Outra variável temida é a possibilidade de uma maior inserção de Pequim na Europa através dessa relação, com implicações na arquitetura da segurança mundial, o que retiraria dos EUA e OTAN a atual primazia na Europa. E por fim, para que armas em um mundo em que Rússia e Alemanha caminham juntas sob tapetes de seda chineses?

Compreendendo uma infinidade de obras terrestres e rotas marítimas conectando o Oriente Médio, Europa, África e Ásia, cruzando  os oceanos Pacífico e Indico, e aportando no Mediterrâneo, a nova rota da seda chinesa tangencia o conflito na medida em que visa estabelecer, através de empréstimos para outros países, um reposicionamento da China impensável pra os interesses dos Estados Unidos e parte da UEE.

Nesse caso, até mesmo a velha tática Alemã de conter e envolver, onde ao mesmo tempo em que cooperava com a Rússia procurava não atingir os interesses da OTAN tem os seus dias contados. A conhecida habilidade alemã de procurar delimitar os espaços tem na Grécia um forte exemplo. Colocada de joelhos pelos bancos alemães mesmo após eleger um governo de esquerda.

Agora, com a guerra na Ucrânia e mesmo iniciando a desativação das usinas nucleares, os planos Alemães de distribuir gás russo para a Europa terão que ser adiados. A bomba foi desarmada. Com as sanções americanas, Biden volta atrás da suspensão do boicote ao projeto em 2021 e usa o poder do tesouro americano para pressionar empresas consorciadas. Como resultado, o consórcio responsável pelo gasoduto demitiu seus funcionários e pediu falência oficialmente nesta terça-feira dia 1 de março a justiça Suissa, território onde fica a sede da empresa.

HENRY KISSINGER SE ADIANTA NO TEMPO
Lúcido ainda aos 99 anos, Henry Kissinger, o velho judeu Alemão que lutou contra os nazistas, considerado o maior diplomata americano vivo, escreveu o seguinte há oito anos no Washington Post: “A Rússia tem que aceitar que a Ucrânia não pode se tornar satélite seu e o ocidente tem que compreender que a Ucrânia não poderá nunca  ser apenas um país estrangeiro”. Responsável há 40 anos pelo reestabelecimento das relações entre Washington e Pequim, deve compreender como poucos a posição dos EUA, UEE, Alemanha e China diante do conflito.

O final da frase é reveladora do seu talento. A Ucrânia nunca será para a Rússia apenas um país estrangeiro. Eis o elemento a embaralhar os sentidos e a dissimular os evidentes interesses meramente econômicos com grandiloquentes palavras como pátria, grandeza, autonomia e respeito as tradições. A Rússia não deixaria de reagir às ameaças ao seu quintal. Putin ao morder a isca e invadir a Ucrânia, tropeçou e perdeu o fio de Ariadne.

No curso do conflito, velhos conceitos são embaralhados, levando analistas experientes, críticos do imperialismo norte-americano a se intimidarem em suas opiniões. Denunciam com firmeza a invasão Russa para, no primeiro fôlego, explicarem as razoes de Putin. Para isso apresentam grupos fascistas, neonazistas e um governo títere do ocidente a afrontar Moscou. A Ucrânia, por seu lado, acusa os vencedores do nazismo de repetirem seus algozes na guerra.

Como a mercadoria, que ao se realizar na troca perde sua própria identidade, desaparecendo e assumindo outra feição, se metamorfoseando e se transformado em qualquer coisa, como naquilo em que se quer comprar. Latas de graxa na proporção exata se transformam em palácios, a guerra esmaece suas razões econômicas de fundo, aparecendo como o produto das paixões humanas.

É nesse sentido que Putin e Zelensky necessitam cada vez mais de justificativas que orbitam o passado, ou que se projetem para o futuro. E nesse jogo dissimulam o fato de que não passam de peças e instrumentos absolutamente integradas ao capitalismo e suas demandas.

Putin, ao falar sobre a reconstrução de um Estado forte, busca apenas oxigenar o capitalismo burocrático, estatal, da qual ele e seus sócios são frutos e sem o qual não sobreviveriam. A herança nuclear soviética mobilizada. Zelensky, cuja identidade ideológica com Putin não guarda diferença substancial, se apresenta cinicamente como quadro moderno na política europeia, na medida em que a população ucraniana almeja e se vê como tal. Com roupas despojadas procura contrastar com o ar modorrento e solene do Kremlin.

Enquanto o líder russo evoca a atmosfera do passado nas entrevistas, procurando encarnar um antigo personagem da guerra fria, Volodomir Zelensky, totalmente informal, utiliza a força das redes sociais para se comunicar com o mundo. Longe do teatro de bonecos, eclipsados pelos sons dos caças e fuligem das bombas, os senhores da guerra seguram firmemente os cordões e a cada movimento seus lucros se multiplicam.

Para Putin a entrada da Ucrânia na OTAN e UEE não representaria apenas um problema eminentemente militar, mas essencialmente a explicitação de que a Russia teria perdido inteira relevância, na medida em que na geopolítica global o seu lugar de potência militar ao ser ameaçada, refletiria fortemente nas suas posições comerciais. A anexação da Crimeia, região que guarda profunda identidade com a Rússia foi o primeiro passo a abrir caminho pra a invasão criminosa de Moscou.

Nesse teatro hediondo, banhado pelo sangue de inocente e seres humanos apavorados, o ideólogo de Putin, o reitor da faculdade de economia mundial da escola superior de economia de Moscou, Sergei Kagaranov, veste os farrapos de Rasputin. Em entrevista para a Der Spiegel, defende que a Rússia deve ser o centro da grande Eurasia, o continente Europeu e Ásia unidos.

Para ele, é necessário impedir o abismo moral. “Se levarmos em conta novas ideologias anti-humanas que negam a História, o gênero e a pátria, o culto LGBT, o ultrafeminismo, etc., teremos profundas diferenças ideológicas”. O abismo moral de gângsteres privatizando estatais patrocinados por seu chefe, deve ser para ele parte do curso natural da história.

A guerra, por fim, cumpre dois objetivos prioritários. A elevação imediata dos gastos militares e a dinamitação dos esforços para a construção do gasoduto Nord Stream 2, pertencente a estatal russa de gás Gasprom. Consórcio que contava com a participação de companhias como a Uniper, Wintershall, Engie, OMV e Royal Dutch Shell, e que recebeu desde o inicio críticas violentas não apenas dos EUA, mas de vários países da UEE que enxergavam nessa iniciativa o aumento da influencia russa na Europa,

Sob os escombros do pacto de Varsóvia e impelidos pelas movimentações da OTAN, Putin e Zelensky foram trazidos para o centro do tabuleiro atuando como personagens perfeitos num conflito planejado. E enquanto vidas inocentes são perdidas após o ataque criminoso de Moscou, os chanceleres Russo e Ucraniano, Sergey Lavrov e Dmytro Kuleba, sentam-se a mesa sob os olhares perplexos do mundo.

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