Equipe Focus
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A assistente social Paola Falceta costuma ouvir áudios enviados pela mãe que ficaram gravados no seu celular, quase um ano depois de sua morte. Italira Falceta morreu aos 81 anos, vítima da COVID-19, em março do ano passado. Naquele mês, 13,8 mil pessoas com mais de 80 anos perderam a vida em razão do novo coronavírus.
De acordo com uma das conclusões do relatório final da CPI da COVID, deste universo, 3,5 mil idosos poderiam ter sido salvos caso o País não estivesse atrasado na campanha de vacinação. “Essa é a parte mais difícil”, afirmou Paola.
Contundente, a comissão parlamentar no Senado indiciou o presidente Jair Bolsonaro, quatro ministros e outras 73 pessoas – além de duas empresas – por crimes relacionados à pandemia. Mas, passados cem dias desde a apresentação do relatório, não há nem sequer um inquérito aberto para investigar o alto escalão do governo com base no documento.
O relatório final foi entregue pelos senadores ao procurador-geral da República, Augusto Aras, no dia 27 de outubro, um dia após a aprovação do relatório na CPI. Em 25 de novembro, Aras protocolou 11 petições, que tramitam em segredo de Justiça, relacionadas a Bolsonaro e a ministros. Trata-se de procedimentos preliminares, em que o procurador-geral avalia se vai, ou não, pedir investigação formal.
No Congresso, um clima de desconfiança se instalou entre os senadores da CPI, o que ficou explícito com a recente criação de um observatório para acompanhar os desdobramentos do relatório. Os parlamentares temem possível “inação” da PGR e da Polícia Federal. “Infelizmente, o PGR (Aras) não tem se mostrado solícito em relação a essa pauta, retardando de forma injustificada o avanço”, disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
FORO. A PGR tem pedido o compartilhamento de arquivos com a CPI, entre outros requerimentos ao Supremo Tribunal Federal. No entanto, até agora, nenhum inquérito foi autuado na Corte para investigar agentes com foro. Os casos estão com os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski. A PGR afirmou que “não é possível fornecer informações adicionais sobre eventuais diligências e o andamento dos casos” ao ser questionada se já pediu abertura de investigação formal. Os ministros não se manifestaram.
Entre os alvos dos procedimentos preliminares no STF, além do presidente, estão ministros – Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho), Braga Netto (Defesa) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) – e parlamentares como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e os deputados Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Carlos Jordy (PSL-RJ), Ricardo Barros (PP-PR), Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).
A negligência na vacinação e o incentivo ao descumprimento de medidas sanitárias são as condutas mais graves atribuídas a Bolsonaro e ministros. Estudos citados no relatório afirmam que entre 120 mil e 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas se não fosse a omissão do governo.
Um desdobramento, porém, pode ser contabilizado em instância inferior. Indiciado por incitação ao crime, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) será investigado pelo Ministério Público estadual, que abriu um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) sigiloso. Por outro lado, lista de 57 indiciados foi enviada para o Ministério Público do DF, mas o promotor de Justiça Clayton Germano afirmou que não tinha competência para atuar no caso.
PREVARICAÇÃO. Na semana passada, a PF finalizou um inquérito sobre as negociações do Ministério da Saúde para a compra da vacina Covaxin sem sugerir o indiciamento de Bolsonaro, que foi acusado de ignorar alertas sobre suspeita de corrupção. Relatório enviado ao STF concluiu que não houve crime de prevaricação.
Ex-presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) criticou o relatório. “Se você é comunicado, é obrigado a falar. Imagina o presidente que, no ofício do cargo, tem a obrigação de mandar apurar? Então ninguém prevarica mais nesse país, esse crime não existe mais.” Também na semana passada, Aras pediu ao Supremo que intimasse a cúpula da CPI para prestar esclarecimentos sobre suposta divulgação de dados sigilosos durante os trabalhos do colegiado.
COBRANÇA. Diante da ausência de respostas, houve quem procurasse caminhos alternativos para ajudar quem precisa. Paola Falceta é presidente da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da COVID-19 (Avico), que oferece auxílio psicológico e amparo legal aos atingidos pela pandemia. “É um espaço onde podem chorar, rir, (falar) tudo que ninguém quer escutar”, disse ela.
Professora da UnB, Fernanda Natasha é voluntária na Avico. Ela perdeu o pai, Juraci Cruz Junior, aos 55 anos, em novembro de 2020. “Meu pai não conheceu a minha filha. Ele sempre teve esse desejo muito forte de ser avô.” A Avico protocolou, antes da CPI da COVID, uma representação criminal contra Bolsonaro na Procuradoria-Geral da República. Aras não respondeu até hoje.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.