
Animal político de raro instinto, Lula da Silva fez movimento inesperado no tabuleiro do xadrez eleitoral que já lhe rende dividendos: o convite a Geraldo Alkmin para compor sua chapa como vice-presidente, um gesto em direção ao centro que objetiva resultados distintos e complementares — um mais amplo, outros mais pontuais:
1) Sinalizar para segmentos mais conservadores (setor produtivo, classe média do Sul) uma boa disposição para conciliar interesses.
2) Fincar bandeira, que lhe garanta impulso na largada da disputa, no maior estado da federação, com repercussões regionais.
3) A motivação maior: dividir as forças de liderança dos partidos de centro para manter o quadro de polarização com a candidatura do atual presidente.
Ao desembarcar do PSDB de João Dória, Alkmin sinaliza aceitar a montaria de uma chapa com passaporte carimbado para o segundo turno a um ano ainda da eleição, mas a travessia é difícil, dado o passivo histórico de embates com o PT: nada menos do que 21 CPIs abortadas nos seus mandatos de governador. O PT, no transcurso de duas décadas, fez de tudo para arrancá-lo do Palácio Bandeirantes.
Assim, a base de apoio a Alkmin, muito forte ainda no interior paulista, foi educada pelo petismo para ser odiada. Lá, as bases de ambos são, em grande parte, inconciliáveis. Queimar as pontes que lhe trariam de volta para casa seria um gesto avesso ao estilo de um conservador distinto.
Isso tudo sem considerar dificuldades inerentes à engenharia eleitoral:
1) O PSB ainda não disse o que pretende do PT, em apoios estaduais para seus candidatos a governadores, para oferecer sua legenda a Alkmin.
2) Há de acertar o palanque estadual paulista, onde tanto Lula quanto Alkmin têm candidatos postados ao governo.
3) O Psol já sinaliza dificuldades em apoiar uma chapa com o ex-tucano.
Mas a perspectiva da vitória tem remédio para esses dengos. Todos sabem que somente um fato novo de proporções poderia tirar Lula do segundo turno. Alkmin conta com as oportunidades potenciais disso para acalmar sua base.
O fato é que a pedra foi movida e a poeira que levantou estará por conta da arte que define a ação política: diálogo — paciente, sem imposição de termos, onde as circunstâncias dos sujeitos receberão a consideração da boa escuta. E ambos são bons nisso.