Metamorfoses políticas. Por Rui Martinho

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Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

A política é rica em metamorfoses. Convicções se transformam quando o agente político transita da oposição para o governo ou em sentido contrário. Reformar a previdência pode ser um crime contra os menos favorecidos quando se é oposição ao governo. Mas passa, sem a menor cerimônia, a ser necessidade inevitável se os críticos se tornam governantes. Havendo uma reviravolta os convertidos a defensores do que criticavam, voltam a criticar a mesma reforma, conforme aconteceu no Brasil, em anos recentes.

O combate a corrupção também pode mudar de lado. Quem reprovava os crimes contra o erário praticados por Paulo Maluf (1931 – vivo), usando adesivos com dizeres “pela ética na política” ou “sem ética não dá”, de repente, não mais que de repente, como diria o poeta (Marcus Vinicius da C. de M. Moraes, 1913 – 1980, no soneto da Separação), o indignado descobre que exprobar a corrupção não é expressão de moralidade, mas reles moralismo misturado à ignorância em matéria política e econômica. Este último aspecto talvez seja o mais controvertido. Um certo utilitarismo pode tolerar a improbidade, seguindo a linha expressa na frase “rouba mas faz”, que deixou de ser objeto de críticas. “Sempre foi assim” ou “outros roubavam mais” indicam mutações baseadas respectivamente em um surpreendente conformismo e uma comparabilidade relativista.

As metamorfoses podem ter origem na interpretação histórica ou na formulação doutrinária. Benito A. A. Mussolini (1883 – 1945), filho de um ferreiro socialista, era revolucionário fervoroso. Foi morar na Suíça para fugir do serviço militar e por criticar a guerra contra a Turquia, mas foi expulso por suas atividades esquerdistas. Foi para Trento, que pertencia ao império Austro-Húngaro, sendo expulso novamente. Voltou para Itália, foi secretário e um dos principais dirigentes do Partido Socialista Italiano (PSI) e foi redator do jornal socialista Avanti. Criticou a neutralidade da Itália na primeira Guerra Mundial, contrariando o PSI (Antonio Scurati, 1969 – vivo, na obra “M, O filho do século”). Saiu e fundou o Partido Fascista, segundo alguns por discordar do internacionalismo proletário como caminho da Revolução, entendendo que o apelo revolucionário não sensibilizava o proletariado, preferindo apelar para o nacionalismo. Essa foi uma metamorfose doutrinária, baseada em uma interpretação histórica.

Também houve quem fizesse o contrário. Grande parte da intelectualidade brasileira era simpática ao fascismo, do que são exemplo os dirigentes e ativistas da Aliança Integralista Brasileira (AIB), como Miguel Reale (1910 – 2006), Gustavo A. L. G. D. da C. Barroso (1888 – 1959), Plínio Salgado (1895 – 1975), G. M. Mello Mourão (1917 – 2007) e o então padre Helder Pessoa Câmara (1909 – 1999). Outros eram simpatizantes, sem exercer militância, como Luís da Câmara Cascudo (1898 – 1986). Após a derrota do Eixo, muitos se converteram rapidamente ao “progressismo”, como Miguel Reale e Helder Câmara.

A ressignificação pode alcançar pessoas. Paulo Maluf, classificado como o maior dos vilões, após um acordo político ganhou a defesa de um novo aliado que antes o criticava, mas então dizia não haver condenação transitada em julgado o homem símbolo da corrupção. Metamorfose é contagiosa. A politização do STF chegou e com ela as frequentes mudanças das decisões: como nos casos de prisão em segunda instância, irregularidades processuais, validade de informações do mundo exterior aos autos processuais e provas obtidas ilegalmente.

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