Com a saída, por imposição legal, de Camilo Santana do governo estadual para se habilitar a uma candidatura ao senado, assume agora a titularidade pelos próximos meses Izolda Cela. Em qualquer parte, mas sobretudo no Nordeste, tão marcado pelo predomínio patriarcal em todas as dimensões da sua construção histórica, é relevante o fato de que uma mulher assumirá pela primeira vez o comando do estado do Ceará. O fato não é, felizmente, inédito: aqui, foi eleita em 1985 a primeira prefeita de capital, a também professora Maria Luíza Fontenele.
(Permitam-me um longo, mas pertinente parêntese, pois se faz justiça ao sublinhar agora. Os Ferreira Gomes, com maior poder de decisão no Ceará desde 2007, se caracterizam por um estilo retórico direto, não raramente rude — “na lata”, como se diz. E são, igualmente, difamados muitas vezes como “oligarquia”, o “poder de poucos”, forma muito comum de monopólio político, e frequentemente sustentada em bases familiares, de confiança rígida e interesses afins.
Contudo, na prova dos nove da prática, eles têm dado oportunidades para a revelação de novas vocações e escolhido personalidades de perfil afável e moderado, de tolerância e diálogo, em contraste com o estilo por vezes arrogante deles mesmo: foi assim com Roberto Cláudio e Camilo Santana e é assim com José Sarto e Izolda Cela. Vale como uma autocrítica não confessada de suas limitações, se quisermos ser benevolentes. Fecha parêntese).
Voltando ao assunto. Izolda recebe uma casa em ordem em um momento difícil: a governança de Camilo foi exemplar, porém a conjuntura é turbulenta — inflação, alta de preços, ameaças institucionais, epidemia. Internamente, virá uma disputa eleitoral contra a pior oposição que se poderia desejar aos inimigos, de inspiração miliciana, com acento oportunista na moralidade e desprovida de um projeto consistente de gestão.
No entanto, não caiu de paraquedas no Palácio da Abolição: desde sua primeira experiência, na equipe do então secretário de Educação de Sobral, Ivo Gomes, até a atual coordenação do projeto Ceará Pacífico, Izolda teve boas oportunidades de aprender a mexer com essa coisa difícil que é a gestão pública no Brasil — uma engenhoca que desperdiça matéria prima, gasta muita energia e produz resíduos tóxicos na sua linha de produção de resultados quase sempre frustrantes para quem se aventura no ramo com boa vontade e desprendimento.
Trata-se — eu a apresentaria assim a quem não a conhece — de uma mulher honrada. De atitudes prudentes e posições equilibradas. De conduta discreta, terá que se reinventar, caso seja indicada pelo seu grupo político para uma candidatura à reeleição, como se especula.
Ao longo de sua já extensa vida pública, falou pouco e fez muito e chega a essa nova missão por mérito próprio, sem oferecer ou receber vantagens, nem buscá-la como projeto pessoal. Fez-se respeitar sem imposições, o que é um providencial exemplo no contexto de uma cultura política de excessivo profissionalismo e onde os projetos pessoais, dada a fragilidade orgânica dos partidos políticos, costumam atropelar a razão crítica e o interesse comum.
Desejo a ela boa sorte. Vai precisar.