Em 1929, a praça Marquês de Herval – hoje praça José de Alencar –, ganhou a única estátua erguida em Fortaleza homenageando o romancista cearense. A iniciativa partiu da então jovem Associação Cearense de Imprensa – ACI, fundada quatro anos antes, na pessoa do presidente da entidade, Gilberto Câmara.
Aproximando-se o centenário do romancista, Câmara partiu para a Capital Federal no início daquele ano, em busca de recursos para a obra. De lá, percebeu que a escolha do escultor poderia ser mais democrática, e com maiores atributos de divulgação, caso fosse lançado concurso, em âmbito nacional, para a apresentação de maquetes da estátua. O júri foi formado pelo poeta Ronald de Carvalho, pelo jornalista pernambucano José Mariano Filho, por um representante da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, o jornalista Nogueira da Silva, pelo historiador, jornalista e escritor Gustavo Barroso, e pelo próprio Gilberto Câmara.
Inscreveram-se 15 propostas, expostas ao público no saguão do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, mobilizando a curiosidade da população. Intelectuais, artistas, jornalistas e membros da colônia cearense compareceram em massa ao Liceu, para apreciar, comentar e comparar as maquetes concorrentes.
Ao final da avaliação, o júri chegou à proposta vencedora, devidamente divulgada pelos periódicos nacionais: aquela apresentada pelo escultor Humberto Cozzo, que melhor atendera às exigências do Edital em termos de valor (não ultrapassar 100 contos de réis) e de detalhamento (base em granito, alto relevo com cenas dos livros O Guarani e Iracema, e duas placas gravadas com dizeres históricos).
Paulistano, nascido em 1900, Cozzo trazia no currículo outras premiações, como o primeiro lugar no Salão do Centenário, realizado em São Paulo, em 1922, e a Medalha de Prata concedida pelo Salão Nacional de Belas Artes, em 1928. O Memorial Descritivo por ele apresentado sintetizava seu pensamento, combinando dois pontos principais – simplicidade e originalidade – extraídos da leitura atenta que fizera da obra de Alencar, da qual destacara facilmente “a originalidade de seus romances, assim como a simplicidade com que sabia descrevê-los”.
Procurara, portanto, abandonar tudo aquilo que chamava, tediosamente, de “eternos obeliscos, colunas, etc., etc.,” em troca de “linhas arquitetônicas as mais simples possíveis, formando um conjunto harmonioso e, sobretudo, original”. Quanto à figura principal, escolhera posicioná-la em maneira adequada a um intelectual, a um homem “que agiu mais com o cérebro do que com ações: sentado, interrompe suas anotações para concentrar seu pensamento numa visão que só ele vê ao longe”.
O escultor pensara ainda na roupagem com que Alencar se apresentaria, cuidando de mantê-la atemporal. Cozzo descreve, por fim, a composição do monumento, que seria executado “todo em granito branco de Itaquera”, material de composição fina, duro de desbastar, possibilitando acabamento mais firme. “Terá a altura total de 6 m e meio”, anotara o escultor, “por uma base de 6,50 m por 4 m”. E alertava para um detalhe, que deve ter sido fundamental a Gilberto Câmara: “Embora não pareça, dada a grandiosidade do conjunto, a executarei pela verba orçada de 100 contos de réis”.
Tamanha desenvoltura apresentara o escultor que, já em abril de 1929, desembarcavam em Fortaleza, dos porões dos navios Purus e Pedro I, os 59 volumes contendo a obra, totalizando 55.800 kg de material, com os blocos de granito, os baixos-relevos e os motivos decorativos. O monumento foi montado, pedra a pedra, no centro da praça.
Apesar do grandioso esforço, em tudo as más-línguas viram depois um motivo para ridicularizar o esforço de Gilberto Câmara e a obra de Humberto Cozzo: no manto atemporal, projetado para cobrir os ombros de Alencar (“O pobrezinho parece que está com frio… Que judiação, numa terra tão quente!”); no rosto pensativo do escritor (“É Moisés! E se não for Moisés é São Paulo!”); na elegante superposição assimétrica dos blocos de granito (“Tanto dinheiro gasto numa pedreira!”); até no questionamento sobre a posição da estátua no logradouro, e no ponto cardeal para o qual se deveria voltar a face do homenageado.
Hoje, meados do século XXI, prestes a ser comemorado o centenário da Associação Cearense de Imprensa, e o bicentenário de José de Alencar, o monumento interage amigavelmente com o público frequentador da praça. Sofre pichações ocasionais, apagadas de tempos em tempos pelos órgãos públicos responsáveis. Os blocos de granito servem de assento na sombra para quem deseja matar o tempo vendo a vida passar. Um rapaz de bermudas apoia o tênis numa das bordas mais baixas, e faz pose de campeão. Um garoto monta no pescoço escurecido do jaguar alencarino, enquanto a mãe compra um picolé de morango. Um senhor refestelado num dos blocos não se acanha de dizer que tem 80 anos, e com toda essa idade não sabe quem foi José de Alencar. O amigo facilita: “É aquele, que tem uma casa em Messejana”.