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O plano definitivo. Por Angela Barros Leal

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Penúltimo dia do ano e recebo uma ligação um tanto surpreendente. Uma jovem simpática pergunta se tenho interesse em um plano.

É bem cedo de uma manhã ociosa. O brilho dos fogos, que pretendo ver na virada do ano, ainda reluz no sonho das minhas pupilas, mal ajustadas à claridade do dia.

A pergunta dela me faz lembrar que tenho planos, sim, para o ano que se aproxima, escritos em uma lista de papel que deixei em algum lugar. Inclui mais atividade física, mais viagens, mais tentativas de contato bem sucedido com os netos (presentemente transformados em estátuas de sal, cegos e surdos a tudo que não se movimente nas telas), menos abuso de um certo pó branquinho, ao qual chamamos açúcar, menos rejeição a experimentações novas.

Esse derradeiro tópico me anima a ouvir o plano a ser apresentado por ela.

Trata-se de um Plano Funerário, explica a jovem de pronto, ansiosa por descrever as vantagens da empresa para a qual presta serviço.

Abrevio o discurso. Quero ser cremada, informo. Mas só depois de morta.

Senti a necessidade de ser explícita na segunda frase. Não quero deixar abertura a interpretações apressadas de familiares ou de estranhos, como a agora identificada Consultora de Vendas.

Nós temos Plano Funerário que inclui cremação! – ela se anima. Posso enviar as propostas para seu WhatsApp.

Escovo os dentes analisando as propostas, apresentadas em tabelas simples. Com as esperadas exceções, se assemelham à produção de uma festa. Ramalhetes de flores naturais, tamanhos P, M ou G. Cântico instrumental, com a opção de incluir o gemer de um violino. Maquiagem e vestuário. Traslado, caso haja um deslocamento em vista. Café da manhã. Serviço de copa. Salas de velório. Tanatopraxia. Urnas a escolher. Certidão de óbito.

Seguem-se seis empolgadas mensagens de áudio, esclarecendo pontos que eu possa ter considerado duvidosos. Tanatopraxia, por exemplo, derrama-se no meu café da manhã: tratamento do corpo antes de ser entregue às chamas da vingança. Urna é o eufemismo para caixão. O traslado cobre um eventual e derradeiro passeio pelo território cearense. As cinzas são entregues à família, prontas para atender ao último desejo do falecido.

Meu cérebro deve estar enevoado. Não entendo para que tantos modelos diferentes de caixão – aliás, de urna – indo do Simples ao Luxo. Para que incluir mais pares de alças, ou acrescentar elegantes grifados na madeira, se o fogo vai assar, ao ponto, matéria humana e vegetal.

Por mim, digo a ela entre mastigadas de pão com manteiga, no velório podem me colocar embrulhada em uma rede branca de caroá, biodegradável, com cheiro de Sertão, para um funeral ecológico. Ou podem iniciar meu repouso eterno sobre uma porta em MDF, apoiada por uma dupla de cavaletes.

A senhora pode fazer o Plano para seis pessoas, ou para dez pessoas, a consultora comercial acrescenta. A senhora paga tanto por mês, dependendo do seu Plano, e ficam todos com o jazigo garantido!

O que será que passa pela cabeça dessa jovem, é a indagação que me faço enquanto troco de roupa, as palavras dela provocando a imagem do extermínio em massa da minha família. Preciso cuidar dos preparativos para a festa do réveillon, e tenho apenas 2 dias para isso. Se estava, até então, direcionada à perspectiva de folia e brincadeira, a ligação lançou em mim uma pesada sombra vestida de Realidade.

A empresa para a qual ela trabalha deveria ter implantado uma Estratégia de Abordagem Velada, quem sabe com telefonemas anteriores ao cliente, sem nenhum interesse além de desejar sua saúde, aproximando-se aos poucos do tema principal. Deveria ter analisado datas mais propícias para abordagem, que não o finalzinho do ano – deixasse para junho, talvez, capitalizando o valor alegórico das fogueiras.

Aliás, deveria ter preparado material de treinamento adequado, com bullets ressaltando, por A mais B, a inconveniência de se abordar tal assunto em mais um dos intermináveis momentos convulsivos nos quais os ocupantes do Planeta tendem a se envolver, mergulhando em guerras sanguinolentas, desnecessárias.

Preciso desligar, informo a ela. Mas a promoção acaba amanhã! – insiste ainda. Desejo à jovem um Feliz Ano Novo, e que ela consiga um trabalho mais vibrante, mais vital.

Não se faça de porta-voz da Indesejada das gentes, com seu Plano Definitivo, aconselho. Até lá, para quem tem 24 anos – o caso dela, porque evidentemente não deixei de perguntar –mais saudável seria manter os olhos no brilho dos fogos de artifício que, em breve, e para alegria geral, iluminariam os céus.

 

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