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Festa no interior. Por Angela Barros Leal

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Rosário se aproxima para contar sobre a festa de 80 anos do pai dela.
Estou ocupada, diante do computador, mas suspendo o trabalho para escutar. Que festa, ela diz, as olheiras matinais entregando a canseira de viajar de carro por 5 horas, na ida, mais 5 horas na volta, subindo e descendo ladeira, até chegar em um minúsculo distrito do município de Viçosa, onde mora o pai com a madrasta.

Má-drasta, ela diz de cara azeda, muito embora esteja longe da idade de depender da outra, a que substituiu a mãe depois que mãe e irmã foram mortas por um raio que entrou de casa a dentro, apanhando as duas na cozinha,onde escutavam um radinho ligado a uma antena comprida, espetada para o céu, acima da casinha erguida num descampado. Seu Francisco esperou uns 5 anos, e se juntou com a dita má-drasta. Pelo que Rosário faz questão de contar, a Má, como chama, foi a única presença indesejada da festa.

Para o almoço do grande dia, os cinco filhos fizeram uma cota, o pai contribuiu, e de Fortaleza mesmo, via WhatsApp, filhos e netos encaminharam os preparativos. Contrataram a decoração com uma pequena empresa de Viçosa, de um rapazinho conhecido das netas de Seu Francisco. O bolo e os docinhos – os brigadeiros de chocolate, de leite condensado e de leite Ninho, os picolés para as crianças, os bem-casados –, vieram de outra fornecedora, também de Viçosa.

A música da festa ficou nas mãos de um sanfoneiro amigo e vizinho de Seu Raimundo, que se dispôs a tocar, da hora do almoço ao começo da noite, os forrós pé-de-serra preferidos do aniversariante.

E para a tarefa de preparar o almoço, o lauto almoço para a centena ou mais de convidados, duas primas foram contratadas. As filhas ajudaram cá e lá nas panelas, em meio à atenção com os que chegavam, mantendo o olho no bem estar do pai. Podia ser muita emoção para ele, Rosário considera.

Uma das primas conseguiu um panelão imenso para cozinhar o arroz, 15 quilos de arroz da serra, do tipo que estavam habituados a comer, dez vezes melhor do que o arroz vendido em saco no supermercado, como Rosário se ufana. Serviu para acompanhar as carnes. E que carnes.

Meses antes, uma das filhas tinha separado um número não identificado de galinhas (talvez uma dezena, Rosário não tinha certeza), alimentadas com o melhor milho e criadas soltas, respirando o ar puro das alturas, antes de oferecerem os pescoços ao sacrifício. Um irmão comprara 3 arrobas de carne de carneiro, a preferida do pai, a serem assadas em um fogão de tijolo, construído ao lado da casa especialmente para preparar as refeições daquele dia. A entrada de 45 quilos de carneiro não ia ser suportada pela pequena cozinha, muito menos pelo forno a carvão, do tempo da mãe. O que sobrasse, concordaram em repartir e levar para casa.

O porco era criação doméstica, um porco gordo e luzidio, cuja carne se revelara de maciez extraordinária, debruada de suculenta gordura, parte da qual foi utilizada pelas primas para o preparo da farofa. Bebida alcoólica não tinha. Família evangélica. Mas quem quisesse, era só trazer a sua, sem problema.

Seu Francisco estava uma elegância só. Camisa branca passada para dentro do cós da calça jeans, sustentada por um cinturão novo em folha, que ganhara de uma das filhas na festa dos 70 anos. Chinelão de couro, cabelo branco coberto por um chapéu de palha, que não tirou da cabeça, exalando o perfume de pinho que ganhara do filho, na véspera. Recebia os convidados com a tranquilidade de sempre, como se fosse um dia qualquer.

Homem não ri, era a frase dele para os filhos, quecobravam um sorriso para as fotos. E sério mesmo foi fotografado sob a luz forte do meio-dia, ao lado dos cinco filhos, dos 21 netos, da meia dúzia de pequenos bisnetossorridentes. O que não queria dizer que ele não estivesse com o coração estourando de felicidade, como Rosário garante.

Pela contabilidade que fizeram no final da festa, os pés descalços em cima das cadeiras desarrumadas, depois que o sol se deitara abaixo das folhas da mangueira, dos galhos dos cajueiros e do perfil da cerca de madeira entrançada, as filhas calcularam a presença de 150 pessoas. Ninguém tinha ficado sem encher o prato, nem tinha sobrado um farelo do bolo, o que era um alívio. Sabe como o povo gosta de sair falando mal, Rosário diz.

O que eu mais gostei, ela reflete, foi como conseguimos todos os serviços por lá mesmo, sem precisar levar nada de Fortaleza. Hoje tem tudo! – ela se empolga, mostrando na tela do telefone celular a beleza que tinha ficado o alpendre, com as cortinas temporárias, as elegantes mesinhas para os doces, os balões coloridos, o ambiente geral da festa, a alegria do povo dançando ao gemido da sanfona.

E voltamos ambas aos nossos trabalhos, saboreando o gostinho bom que deixam as festas do interior.

 

 

 

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