Este comentário é sobre a declaração de Lula, no encontro em Adis Abeba, quando comparou a ação do exército de Israel contra os palestinos na faixa de Gaza ao holocausto dos judeus na Europa, sob o terror nazista.
Não vou argumentar a respeito da oportunidade – se correta ou não politicamente – de sua manifestação. Tenho convicção firmada sobre esse aspecto e o tempo dirá que olhos estão míopes: os dele, e os meus, ou os olhos de seus críticos.
Aqui, cabe por ora refletir sobre o sentido de verdade – e digo “sentido” por não poder evocar a propriedade dela – do que o presidente disse: o que acontece em Gaza e o que aconteceu na Europa estão contemplados no dicionário com o mesmo nome: Genocídio.
Não é certo, nesse sentido de verdade em que concordo com Lula, conceder ao estado de Israel, diante da crueldade de suas ações contra a população civil, a oportunidade de se proteger na trincheira vitimada do holocausto para, de lá, cometer crimes contra a humanidade de igual natureza.
A aparentemente lógica tentativa de medir o peso da responsabilidade por uma métrica de quantificação já oferece concessões indevidas para atos que não merecem subterfúgios de tolerância. Sim, é fato: Israel não matará 6 milhões de inocentes em Gaza, como fizeram os nazistas com os judeus. Afinal, ali os palestinos somam cerca de apenas dois milhões de habitantes. Logo, não é por aí.
A dor de um genocídio não tem tamanho. Não pode ser medida pelo número de covas, mas pela crueldade exposta no despropósito de servir ao mal. Para compreender isso, basta ir até Rwanda e dizer para uma multidão de etnia Tsutis que o massacre indiscriminado de seu povo foi algo menor, diante do holocausto judeu. Tente usar esses argumentos diante das vítimas. Dificilmente você conseguiria sair vivo de lá.
Lula armou uma arapuca para o Premier israelense, Beyamin Netanyahu: num ato de pressão psicológica de forte impacto, o colocou na posição obrigatória de falar sobre o holocausto justo no momento em que produz sua Auschwitz a céu aberto, alimentada não por gás, mas chumbo mesmo. Sim, mesmo que para contestar a declaração de Lula, Netanyahu foi forçado a falar de genocídio – e repetir, em contestação, uma palavra que não desejaria pronunciar.
Ora, repare. Se Lula tivesse dito apenas que a ação do estado de Israel em Gaza é um genocídio, nada teria acrescentado, em força de pressão, ao que 80 países (o número cresceu nos últimos três dias) signataram na denúncia levada a Haia pela África do Sul. Mas, ao mencionar o estigma do holocausto, jogou Netanyahu contra as cordas de sua própria honra.
1,5% da população de Gaza foi dizimada indiscriminadamente por soldados que recebem ordens para atirar até contra janelas de hospitais e explodir o suprimento de oxigênio para seus pacientes. Eis o despropósito bárbaro: 30 mil mortos numa busca por 95 reféns! Eis a proporção que merece consideração na avaliação do que o presidente brasileiro declarou quando, às vésperas do Ramadã, Israel já anuncia um novo ataque a multidões que estarão dedicadas, por sua tradição religiosa, a jejum diário e orações.