O Ceará apresenta um clima predominantemente semiárido, caracterizado por temperaturas elevadas e chuvas escassas.
No Monitor da Seca de abril, o Estado tem 42,55% do seu território apresentando algum nível de seca, variando entre fraca e moderada.
Devido às condições climáticas, autoridades do Estado adotaram medidas de combate à desertificação que envolve estratégias que visam à restauração e conservação do solo, à promoção de práticas agrícolas sustentáveis e ao manejo eficiente dos recursos hídricos.
Viviane Gomes, engenheira agrônoma e técnica da coordenadoria da Secretaria do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Ceará, destacou a vulnerabilidade do bioma caatinga. “O Ceará é um estado predominantemente coberto pela caatinga, um bioma extremamente vulnerável. Existem núcleos de desertificação, o que representa uma preocupação central para o governo”, disse.
Segundo a engenheira, o Governo Federal elaborou, anteriormente, uma série de medidas que não foram totalmente implementadas, causando a extinção do programa. “Este momento é uma retomada de diálogo para fazermos uma avaliação do que não foi feito, visando traçar estratégias conjuntas com a sociedade civil. Se o agricultor familiar protege e cuida do solo e adota práticas sustentáveis, ele não apenas melhora sua saúde e a de sua família, mas também aumenta sua renda através de uma comercialização mais valorizada”, explicou.
Conforme o pesquisador da Fundação Cearense de Meteorologia (Funceme), Rafael Cipriano, o órgão realiza atividades de monitoramentos de áreas degradadas suscetíveis à desertificação a identificação de áreas onde há escassez ou ausência de vegetação, solo exposto e a severidade dos fenômenos erosivos. O Monitor de Secas, disponibilizado pela Funceme, mostra que a quadra chuvosa de 2024 trouxe alívio temporário para o território cearense. A seca na região do Cariri, sudoeste do estado, passou de “moderada”, para “fraca”. E no centro-sul, houve recuo da seca “fraca”.
Confira a entrevista do Focus com Rafael:
Quais são as principais medidas planejadas pelo governo do Ceará para combater a desertificação no Estado?
No âmbito da Funceme, os trabalhos relacionados ao combate à desertificação iniciaram em meados da década de 1990, com o mapeamento e monitoramento de áreas que estavam degradadas e suscetíveis à desertificação. Ainda nessa época, a instituição contribuiu na elaboração do Programa de Ação Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAE-CE), que foi publicado em 2010. Nele, estabeleceu-se que no Ceará existem três núcleos principais de desertificação (Núcleo I de Irauçuba/Centro-Norte; Núcleo II de Inhamuns; e Núcleo III de Médio Jaguaribe). Esse programa foi uma iniciativa do governo estadual que busca integrar esforços de diversas áreas, como agricultura, meio ambiente, recursos hídricos e desenvolvimento regional, para enfrentar os desafios impostos pela desertificação e seca no Ceará.
A Funceme, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), também tem realizado o Levantamento de solos na escala de 1:100.000. Esse nível de detalhamento permite a obtenção maiores informações sobre os tipos de solos que ocorrem em todo o território, permitindo melhor planejamento das áreas para uso agrícola em função da sua aptidão e capacidade produtiva. Isso reduz o risco de degradação dos solos e, consequentemente, de desertificação.
Por fim, um último exemplo de ações que a Funceme está envolvida, com vista no combate à desertificação, é um projeto-piloto denominado “Projeto Brum”. Nele, uma área degradada de cinco hectares foi identificada no município de Jaguaribe-CE e foram aplicadas práticas agrícolas conservacionistas visando a sua recuperação. Hoje, dez anos depois da implementação, a área encontra-se em estágio avançado de recuperação, com desenvolvimento da vegetação de caatinga e retorno da fauna local.
Como a variabilidade das chuvas na região afeta as estratégias e resultados do programa?
A variabilidade do clima e sazonalidade das chuvas, em parte afetada pelas mudanças climáticas, tem preocupado pesquisadores e cientistas de todo o mundo. Isso porque, de acordo com os monitoramentos da Funceme, realizados com base em dados climáticos desde meados de 1960 até 2020, está ocorrendo uma redução (ou mesmo desaparecimento) das áreas com clima sub-úmido seco e sub-úmido úmido (zona litorânea), com expansão das áreas com clima semiárido em todo território cearense. Isso afeta a dinâmica hídrica, como a vazão de rios, o estabelecimento da vegetação local, o uso agrícola e pode agravar a degradação dos solos, levando ao aumento de áreas suscetíveis à desertificação ou mesmo a expansão dos núcleos de desertificação.
Qual é a avaliação do governo sobre o impacto socioeconômico esperado do programa? Há projeções específicas sobre melhorias na qualidade de vida das comunidades afetadas?
Na Funceme, dentro do âmbito do Projeto Sertões, são realizados estudos que visam gerar um conhecimento interdisciplinar do território semiárido da gestão sustentável da água, transição agroecológica e uma economia de baixo carbono. O Projeto Sertões é uma parceria do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França, com a esfera pública estadual e municipal, sociedade civil e movimentos sociais.
Para tanto, são realizadas oficinas com atores locais (comunidade local, associações, escolas, gestores municipais) visando o desenvolvimento de Diagnósticos Rurais Participativos, nos quais são identificadas as fortalezas, oportunidades, fraquezas e ameaças. Isso contribui para o entendimento da gestão local de recursos, como água, sobre a resiliência hídrica e desenvolvimento territorial e busca achar soluções sustentáveis junto à população.
Ainda no âmbito do Projeto Sertões, uma das metas é a compreender a dinâmica das trajetórias agrícolas e os efeitos na resiliência e permanência do homem no campo. E, tendo em vista que existe uma forte relação entre a vulnerabilidade climática e as desigualdades sociais, o projeto também busca analisar os arranjos de governança da água no Estado do Ceará, bem como as respectivas políticas públicas que estes arranjos enquadram e administram. Como a capacidade da governança da água está relacionada com o desenvolvimento rural sustentável ela se torna crucial para as populações rurais do interior do Estado, cuja capacidade de permanência no território depende de seu acesso.