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Tudo é relativo. Por Angela Barros Leal

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Por duas vezes o físico Albert Einstein pisou no Rio de Janeiro: em 21 de março e em 4 de maio de 1925. Tinha Buenos Aires por seu destino final, e como missão a apresentação de palestras na Argentina, Uruguai e Brasil.

A primeira visita à então Capital Federal foi rápida. Teria oito dias na segunda visita, enfrentando uma maratona de eventos sociais e científicos que esgotariam a paciência de qualquer um, em especial do sisudo cidadão europeu de 46 anos – idade do visitante, naquela época em que a juventude se fazia breve.

Tudo isso está no livro Os diários de viagem de Albert Einstein – América do Sul, 1925, organizado por Ze’ev Rosenkranz (2024), esmiuçando detalhes dessa viagem, tanto pelo ângulo dos fatos públicos quanto por meio da quebra de privacidade dos registros pessoais, aqueles que se ousam externar para poucos, ou, de preferência, para ninguém.

O leitor/a leitora se surpreende com os qualificativos que o ilustre cientista dedica aos sul-americanos, na versão de Rosenkranz, com tradução de Alessandra Bonrruquer. Traçava nítida diferença entre ele, europeu, e os que o cercavam, relatando no diário: “Aqui sou uma espécie de elefante branco para eles, e eles são macacos para mim”.

No caso dos argentinos, as palavras são também incisivas: “Impressão geral: índios envernizados, ceticamente cínicos, sem qualquer amor pela cultura, degenerados pela banha bovina”.

Ora vejam. Então, aquele sorriso benevolente com que Einstein aparece nas fotos da visita, a simpatia que deixa transparecer nas imagens, a aura de inclusão e pertencimento que perpassa, na companhia dos encasacados cientistas nativos, nada mais são do que ilusão de ótica, escondendo o ácido espírito crítico sobre o que vê à sua volta, incluindo os próprios colegas: “Esperei pelos professores e judeus no cais” – ele anota em um trecho. “Todos me dão a impressão de terem sido amolecidos pelos trópicos”.

Espantada pela crueza linguística do sábio. Por desconhecer a língua alemã, busquei outro livro sobre o tema. Encontrei Einstein, o viajante da relatividade na América do Sul, do brasileiro Alfredo Tiomno Tolmasquim (2003). A tradução dele do diário einsteiniano é um pouco mais amena do que a versão de Rosenkranz: alívio relativo.

A referência aos argentinos seria: “Índios envernizados, céticos, cínicos, sem amor à cultura, afundados em gordura de boi”. Na chegada ao Brasil, sobre “os cientistas e judeus” aguardando no cais, “todos dão uma impressão tropical amolecida”. E aos brasileiros, não os tratara como macacos (Affen, conforme manuscrito no diário, e confirmado no aplicativo de tradução), mas sim como tolos. Ofensa em grau menor.

Justifica Tomalsquim: “Ele escreveu suas impressões em um diário de viagem que indica como seu estado de espírito foi se alterando durante a estadia na América do Sul. No primeiro dia achou tudo maravilhoso, mas na volta para a Alemanha, quase dois meses depois, não suportava mais o calor, a comida e as homenagens.” Tinha suas razões.

Curiosidade não saciada, acessei os jornais cearenses de 1925 para espiar o que haveriam noticiado sobre as visitas einsteinianas ao Brasil. O Sitiá, publicado no Quixadá, se destacou por trazer o depoimento de anônimo correspondente no Rio de Janeiro que, acompanhado pelo quixadaense Esperidião de Queiroz, esteve frente a frente com Albert Einstein. “Fomos ontem a bordo do grande transatlântico alemão Cap Polonio para levar a Einstein, em nome do O Sitiá, a expressão da mais entusiástica admiração e os mais ardentes votos de boa viagem” – escreve o correspondente.

Einstein não se encontrava a bordo. Chegaria com Assis Chateaubriand, vindos de um almoço no Copacabana Palace. Ali mesmo no portaló, na entrada do navio, os cearenses pediram alguns momentos de atenção. “Encantou-nos, logo à primeira vista, a figura altamente fascinante e seducente desse homem, de quem fazíamos uma ideia tão diversa” – derrama-se o jornalista em elogios.

O diálogo se dera em francês, com o cientista “abrindo-se no mais encantador dos sorrisos”. E mais: “Disse-nos o quanto ficava grato àquelas manifestações que lhe eram tributadas, frisando a circunstância particular de quanto se sentia desvanecido pelos saudares de um jornal do Ceará, em cujo céu, por ocasião do eclipse total do sol, em 1919, se encontrou a irrefragável confirmação de sua Teoria da Relatividade.”

E mais não conseguiram conversar, estando o navio prestes a levantar âncora, embora ainda houvesse tempo para Einstein “renovar, com muita cordialidade e efusão, seus agradecimentos e saudares ao O Sitiá”, sendo então “arrebatado por uma onda de admiradores, que disputavam a honra de apertar-lhe a mão” – conclui o articulista. Ele e Esperidião Queiroz podem ter sido, talvez, os únicos cearenses a usufruir de tal honra.

Sobre o marcante encontro, Einstein não dedica uma linhazinha sequer em seu diário. Nenhuma referência ao Ceará, a Quixadá, muito menos ao jornal publicado pelo magistrado Eusébio de Souza. Sabendo o que sei agora sobre o espírito mordaz do sábio, tanto na tradução de um autor como na tradução de outro, eu recomendaria cautela ao confiar em cientistas, ou em tradutores, já que tudo é de fato relativo.

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