Por Camilla Goes
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O sistema de saúde no Brasil é bastante diferenciado quando comparado aos sistemas dos outros países, especialmente quanto ao SUS (Sistema Único de Saúde), que tem a avançada proposta de ser universal, ou seja, prestar assistência de tudo a todos. Esse modelo foi adotado em 1988 a partir de nossa Constituição Federal e tem apresentado diversas dificuldades para sua plena execução, em que pese ter igualmente significativos avanços nos seus 36 anos de existência.
A verdade é que o serviço público, ao não conseguir suprir o fornecimento de serviços de saúde a todos os brasileiros, permitiu ainda a consolidação do sistema de saúde suplementar, cujos principais produtos são os planos de saúde e possuem como matriz o mutualismo das obrigações.
O desenvolvimento do nosso sistema de saúde suplementar é amparado num arcabouço legislativo e regulatório, com uma agência reguladora especifica para esta atividade, a ANS – Agência Nacional da Saúde Suplementar, tendo a Lei nº 9656/98 como marco da regulação da assistência suplementar à saúde. Ao longo desses 26 anos de lei específica, já tivemos diversas atualizações das normatizações, mas não o suficiente para impedir o aumento da judicialização do tema, um fenômeno que denuncia as falhas de mercado por expor as dores de todos os envolvidos nesse complexo sistema.
Se por um lado comemoramos os avanços da Jornada de Saúde promovida pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, pela qual se intenta a criação de enunciados a fim de orientar juízes sobre as demandas de saúde pública e suplementar, temos por outro lado que essa medida somente se justifica pelo avançar imensurável da judicialização sobre a saúde, levantando a questão se o fenômeno da judicialização seria causa ou efeito da crise no setor.
Para isso, precisamos pensar em, pelo menos, três pontos. São eles:
- A universalidade é uma proposta do SUS, não dos planos de saúde, merecendo acurada reflexão qualquer determinação judicial que obriga a cobertura integral de procedimentos que fogem dos limites regulatórios – o que nos traz à discussão a adequabilidade do sistema.
- Qualquer juiz que tenha em suas mãos o encargo de decidir pelo tratamento que irá salvaguardar a vida de alguém, irá tutelar a vida e saúde em vez de aspectos econômico-financeiros;
- O Judiciário é um poder provocado, ou seja, somente age se impulsionado pelas partes.
A partir disso, fica claro que a judicialização, apesar de ser a porta mais batida, deveria ser a última a ser procurada, tornando o fenômeno da judicialização não uma causa, como muitos defendem, mas um real efeito da crise regulatória do setor, a qual não consegue soluções eficazes e eficientes em instrumentos extrajudiciais de resolução de conflitos.
O protagonismo dessa iniciativa é, obvio, que deveria ser da própria ANS, mas, ao não regular a rede prestadora de serviços de saúde e, com isso, não integrar seus interesses, acaba por afastá-los da sua atuação, o que ocasiona a ineficácia e ineficiência de suas propostas apenas para operadoras de planos de saúde e beneficiários, como é o caso das NIPs – notificações de intermediação preliminar.
Envolver a rede prestadora, para entender seus reclamos e sua posição no sistema, é crucial para que se consiga avançar na solução da crise que se instalou no setor, pois é fato que ninguém está feliz com a atual situação dos planos de saúde: nem operadoras, que reclamam da alta sinistralidade, das fraudes e do peso da judicialização; nem beneficiários, que reclamam da falta de qualidade, das abusividades e dos altos preços dos serviços.
Ou quem sabe a solução de toda essa crise seria através do fortalecimento do SUS a ponto de não precisarmos da saúde suplementar. Seria possível?