Apesar de ter anunciado que Golpe de Sorte em Paris seria seu último filme, Woody Allen permanece notavelmente ativo.
À beira de completar 90 anos, ele continua a conceder entrevistas, a se apresentar com sua banda de jazz e a compor peças teatrais.
É indiscutível a fervorosa paixão que o ator, diretor e roteirista mantém pela arte, algo que se revela contagiante, devo confessar.
Ademais, é especialmente fascinante observar, em sua mais recente obra, como o cineasta investiga a força da casualidade, da sorte e do azar como elementos fundamentais da experiência humana. É como se ele reconhecesse que a sua própria trajetória tivesse sido influenciada por essas forças.
O último ato de Woody Allen (?)
Golpe de Sorte, seu quinquagésimo longa-metragem e o primeiro inteiramente em uma língua que não o inglês, exibe o retorno do artista à capital francesa, após o insuperável Meia-Noite em Paris.
Entretanto, apesar desse comeback à cidade, o diretor opta por uma trama que se assemelha mais a Match Point e Scoop, em que amor e fatalidade se entrelaçam de forma intrincada.
Nesta nova produção, Allen constrói um suspense onde o charme geográfico serve como um pano de fundo para a “sofrência” emocional dos personagens. Ou seja: temas como infidelidade, tentação e, principalmente, a função do acaso ressurgem com força, abandonando a fantasia de Meia-Noite.
Para isso ocorrer com eficácia, a produção é enriquecida pelo trabalho de Vittorio Storaro, aclamado diretor de fotografia e colaborador frequente de Allen.
Em Golpe de Sorte em Paris, Storaro utiliza uma paleta de tons amarelos e azuis profundos como uma dicotomia do que se passa dentro da cabeça da protagonista que está dividida por dois homens.
Um exemplo notável é a cena em que a jovem, acompanhada do esposo, mas absorta em pensamentos sobre o amante, se vê rodeada de dourado enquanto sutilmente tudo ao seu redor vai ficando azul-marinho. Na hora você pensa: “Como eles gravaram isso?”.
Além disso, o roteiro de Allen surpreende: os personagens, apesar de neuróticos, são reais, com sensações e atitudes completamente plausíveis para aquele universo. O elenco não surpreende em suas atuações, mas encantam por tamanho carisma.
Uma pena, por exemplo, que a obra fique em uma promessa de explosão o tempo inteiro, o que, infelizmente, não acontece. Um demérito do texto de Allen que há, pelo menos uns cinco trabalhos, erra na conclusão. Pra quê criar expectativa em uma conversa específica se o diálogo final não é nos mostrado?
Por fim, Golpe de Sorte em Paris encontra na repetição de um diretor que busca falar sobre todos os sentimentos possíveis uma comédia romântica transformada em suspense. Para uma despedida obviamente que podia ser melhor, como Annie Hall, Hannah e suas Irmãs e Memórias, mas tudo bem também… sua filmografia está aí ao nosso alcance. Sentiu saudades, basta escolher um de seus 50 filmes.
Entretanto, para se despedir “com estilo”, recomendo esse último deleite na maior tela possível.