Cerne da questão: Prefeito duramente reprovado nas urnas tentar amarrar Fortaleza a contrato bilionário que, escandalosamente, planeja assinar no último dia de seu moribundo mandato. Prefeito eleito, Evandro Leitão precisa se manifestar publicamente e dizer que não dará seguimento a essa marmota.
Derrotado de forma humilhante nas urnas, com apenas 10% dos votos e sem sequer chegar ao segundo turno, o prefeito José Sarto (PDT) parece não ter se dado conta da rotunda e firme mensagem dos eleitores.
Sem a óbvia legitimidade política para decisões de longo alcance e envergadura, Sarto insiste em empurrar para a cidade um contrato bilionário que vai impactar Fortaleza e seus moradores por 15 anos (renováveis por mais 15). Estamos falando de uma licitação cujo valor final é de impressionantes R$ 4,1 bilhões para supostamente modernizar, gerenciar e manter a iluminação pública e os semáforos da capital cearense.
Atentem: o edital foi lançado logo após o resultado do segundo turno das eleições municipais. Creiam: A abertura dos envelopes com as propostas está marcada para o dia 30 de dezembro, penúltimo dia útil do ano e virtualmente o último suspiro de sua gestão rejeitada pelo povo. Na caradura. Trata-se de um escândalo que a cidade jamais vivenciou.
Um simbolismo que não poderia ser mais emblemático: um prefeito reprovado pelo eleitorado buscando tomar decisões que vão vincular a cidade por década e meia, sem ter o respaldo popular para isso.
Os detalhes da licitação tornam o caso ainda mais preocupante. A Prefeitura pretende pagar à empresa vencedora um valor mensal de R$ 23,2 milhões, cerca de R$ 6,5 milhões a mais do que os R$ 16,7 milhões que a cidade já gasta com os serviços de iluminação pública e manutenção de semáforos. E tudo isso sem que a Prefeitura tenha justificado de forma adequada e transparente tamanha diferença de custos ou explicado por que esse contrato bilionário precisa ser firmado às pressas e durante a transição para o próximo governo.
O edital prevê a substituição de 100% das luminárias convencionais por lâmpadas de LED em três anos, a “modernização” de todos os semáforos e a implantação de uma série de “melhorias” que, em tese, trariam mais eficiência ao sistema. A desconfiança é necessária. Mais do que isso, obrigatória.
Viscejam no mercado fortes suspeitas de que o processo licitatório tenha cartas marcadas. Fontes antenadas chegaram a confidenciar ao Focus Poder que é possível prever qual empresa sairá como vencedora.
A deputada estadual Larissa Gaspar (PT) cumpriu seu papel de parlamentar ao solicitar ao Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE) e ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) a imediata suspensão da licitação. Claro! É o mínimo a ser feito. Essas instituições têm como fundamento de suas existências proteger o interesse público e garantir que não se cometa irresponsabilidades (para não usar outro termo) como a que está em andamento.
Evandro Leitão, o prefeito eleito, tem papel crucial nesse cenário. É aconselhável que se manifeste de forma clara e contundente. Não o fazendo, corre o risco de começar sua gestão sob a sombra de suspeitas que não são suas, mas que podem seguramente comprometer sua imagem, nem que seja por omissão.
Não é preciso grande esforço do futuro novo prefeito da nossa sofrida cidade. è coisa simples a se fazer: Basta se dirigir ao distinto público e declarar que, seja quem for o vencedor dessa licitação, seu compromisso é anular o contrato. A hesitação ou o silêncio podem se tornar um fardo político difícil de carregar.
Os fortalezenses não merecem ser penalizados por um ato de última hora de uma gestão que já não tem a confiança popular. A licitação de R$ 4,1 bilhões, amarrada de forma tão conveniente no lusco-fusco de um mandato rejeitado pelos eleitores, exige uma resposta firme. Inclua-se nesse rol aliados de envergadura de José Sarto, o breve, como dois respeitados ex-prefeitos de Fortaleza: Ciro Gomes e Roberto Cláudio.
Atualização: quase ao mesmo tempo em que o texto acima foi postado pelo Focus Poder, o ainda prefeito José Sarto resolveu recuar e cancelar a absurda licitação que estava em andamento. Consideremos que o recuo é uma autocrítica. O prefeito publicou opu seguinte em suas redes sociais:
Determinei a suspensão do processo de concessão dos serviços de iluminação pública e da rede semafórica do município de Fortaleza, iniciado ainda no ano passado. A licitação poderá ser conduzida pela próxima administração. A decisão não afetará os serviços essenciais para a cidade. O nosso compromisso é garantir uma transição tranquila entre os governos, bem como a transparência dos atos da nossa gestão.
Reforço que o processo de contratação foi iniciado há mais de um ano, cumprindo todos os requisitos da legislação específica para uma concessão pública e atendendo aos termos da Instrução Normativa do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE). Dentro do cronograma, realizamos também audiência pública no dia 26 de janeiro deste ano, no Gran Mareiro Hotel, conforme divulgado no portal da Prefeitura de Fortaleza. O edital segue disponível no portal de Compras do Município.
Segunda atualização: José Sarto resolveu tirar o jabuti do galho por causa de um movimento oriundo do Tribunal de Contas do Ceará, que emitiu um relatório apontando “situações graves” e a possibilidade de um dano de até R$ 1 bilhão em relação ao novo edital de iluminação pública de Fortaleza. O documento destacou nove pontos críticos, considerados como de “grave risco” de prejuízo.