[Ou a Retórica das falácias do discurso]
Paulo Elpidio de Menezes Neto
Da práxis e segundo os exercícios dialéticos que deram tanta força a Lênin nas suas falas do Politiburo bolchevique, algumas “técnicas” retóricas foram empregadas como arma de destruição moral e de convencimento. As mais poderosas buscavam ignorar as proposições trazidas à discussão para fragilizar não as ideias mas quem as vocalizava ou defendia por palavras e intenções.
A técnica, que ganharia a força de uma arma de destruição, como instrumento poderoso de combate, apresenta-se em três níveis de ataque, como “argumentum ad hominen”, “ ad personam” e “ad populum”. Foram boladeiras retóricas nas mãos de
Gramsci e Negri e de alguns repetidores menores de falácias e conjecturas, autores de baixas penosas nos prélios da mídia e das tribunas.
O “argumentum ad hominem”, tipo característico de falácia, é a resposta com críticas ao autor e não às ideias que este defende.
O “argumentum ad personam”, é aquele desvio solerte, quando o objeto central da questão é abandonado para fixar a crítica no que o adversário disse ou admitiu.
O “argumentum ad populum”, apelo ao povo, tem por base a opinião popular, o senso comum, [“vox populi, vox Dei”] a convicção falaciosa que a vontade ou opinião de muitos ou de todos é bastante para a consagração de uma afirmação.
São falácias de convencimento, muito usadas na doutrinação de pessoas ingênuas ou despreparadas. Exercem grande influência nos exercícios de catequese religiosa e ideológica. Embora esses atos de conversão tenham objetivos diversos e movimentem-se em relação a valores distintos, recorrem às mesmas estratégias com o desvio do discurso do fulcro central da argumentação.
A saga dos bolchevique, auto-intitulados sovietes, demonstra, nos embates vívidos travados entre Lênin, Stálin e Trotsky, a obsessão por essas notórias falácias retóricas.
As grandes decisões travavam-se, no Partido Comunista e no Politburo, pela afirmação das verdades que cada um dos construtores da “nova pátria”, impunha a como realidade e cometimento do Estado. Lênin, “ad argumentum”, ameaçava com a sua renúncia, quando se via acossado pela maioria que buscava conquistar. O gesto extremo anunciado obrava o milagre que os seus argumentos não realizavam.
Nestes últimos anos, desde a mais recente ditadura [ainda não chegamos, no Brasil, a um acordo honesto, consensual e semântico sobre o que devemos considerar por “ditadura”], essas sutilezas do endoutrinamento usado passaram a exercer forte influência sobre o povo, os militares e os missionários catequistas de esquerda e de direita.
Hominem, personam e populum são, hoje, as armas do discurso político, como outrora foram na missão divina de apresamento das almas recalcitrantes.
A fala da caserna, hoje privada da licença monárquica introduzida pelo art. 142 da Constituição originária de 1988, recorria naqueles bons tempos ao “poder moderador” e intervinha nos mecanismos emperrados da democracia.
Os ditirambos jurídico-constitucionais evocavam, como ainda hoje o fazem, engenhosas sutilezas de embargos imprescritíveis e incorporam com presteza os ganhos da leitura de doutrinadores alemães. Nossos hermeneutas mais insignes deitam toda a sua cultura — em alemão e em latim!
Assistimos há pouco tempo, com o ranger de argumentos patrióticos convincentes, como os fatos e as circunstâncias mudam de feição e as falácias mostram-se notórias, em mãos indevidas. Os interrogatórios que se mostraram, sem pejo nem vergonha, em redes de tevê, e na mídia compassiva, fiel a interesses silenciados, expuseram o que de pior poderia exibir uma comissão de acusadores. Os inquisidores, atores de um auto-de-fé acusatório desrespeitoso, conseguiram exceder-se, em zelo e improvisação, sustentados por fragílimas razões, e expor a memória deplorável, presente nas asas de uma longínqua Comissão McCarthy de lastimável registro histórico.
O povo reflete o que a mídia espalha, por ignorância ou esperteza. Da corrupção imemorial que grassa no País espera dela participar com melhores proveitos do que os poucos que lhe tocaram até hoje.