A bela do beco do Escorrego. Por F J Caminha

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Since Russia’s expansive influence operation during the 2016 election, Americans’ usage of social media has only increased — and drastically so, as a result of the pandemic.

Em épocas de chuvas um pedaço do piso de cimento acumula lodo no beco do Escorrego, nome apelidado por moradores pelo fato de as pessoas por vezes tombarem no piso úmido. O local fica em uma das vielas da comunidade, na parte mais carente do bairro da Aerolândia, perto de onde existia o cabaré da Marreta, madame que iniciou gerações de jovens na vida sexual.

Entrei no local escoltado por minha amiga Michola cuja vida pessoal não quero expor, mas no bairro e na Assembleia Legislativa do estado do Ceará a grande maioria dos deputados e servidores a conhecem. De repente, a eleitora Maria das Graças me reconheceu, alegrou-se com minha presença e foi logo me puxando pelo braço me conduzindo até sua casa. Era um barraco de três compartimentos compostos de uma salinha integrada à cozinha, um quarto e um banheiro.

– Seu Caminha, ainda bem que o deputado apareceu, faz tempo o senhor não anda aqui e já estamos em época de eleição. O senhor sabe que meu voto é sempre seu. Essa é minha filha está desempregada, antes que ela se perca também peço o senhor para arranjar um emprego para ela.

Avistei sentada num fedorento, roto, sujo e rasgado sofá uma bela esguia jovem adequadamente bem vestida usando uma discreta maquiagem, em destaque, os lábios carnudos adornados com um batom vermelho carmim. A garota devia ter mais de 20 anos.
Indaguei:

– Qual seu nome?
– Tatiana.
– Você estuda?
– Não. Eu já terminei.
– Terminou o que?
– O ensino médio e parei.
– Tem alguma profissão?
– Eu sou “Digital Influencer”.

Fiquei surpreso com a determinação e ousadia de uma menina vivendo em condições tão precárias cuja família sobrevive com o bolsa família se entitular “influencer”.

– Quanto seguidores você tem?

De posse de um IPhone, acessou a rede social e me mostrou que tinha quase 175.000 seguidores.

Acessei meu celular e passei a seguirTatiana. Suas postagens eram sobre maquiagens. Ela fazia curtos vídeos se maquiando e dando dicas de beleza. Suas fotos eram em locais chiques como restaurantes caros, poses ao lado de carros luxuosos e praias. Sempre feliz, sorrindo e se exibindo com alta performance.

– Você tem namorado?
– Namoro pela internet um jogador da seleção da Colômbia.
– Você já se encontrou pessoalmente com ele?
– Ainda não, mas ele vai me enviar as passagens. Vou ficar uma semana em Bogotá.

Quando ela terminou de falar me veio a lembrança o caso do jogador Neymar com uma modelo.

Parece que para escapar da cruel e insuportável realidade as pessoas estão se refugiando nas vidas paralelas das redes sociais. As ilusões do mundo tecnológico produzem doses de dopamina no cérebro e torna a vida mais excitante e colorida. O felicidade é virtualmente materializada e projetada no mundo ideal que sonham. Para muitos, as redes sociais são mais do que entretenimento, torna-se um refúgio.

No Instagram aquela jovem se sente feliz ao ser cortejada por aqueles que curtem e comentam as postagens. Assim, ela esquece da pobreza, do calor sufocante, da geladeira vazia e da violência do bairro.

A internet é o portal para um mundo onde a miséria não define ninguém e oferece a oportunidade de realizar o sonho de uma vida melhor com algum tipo de ascensão social ou por mera satisfação do ego, independentemente de classe social.

Eu mesmo nas minhas noites insones navego nessa ilusão para aplacar a inquietude que me assola. Assim caminha a humanidade.

Francisco Caminha é escritor, advogado, especialista em Ciência Política e servidor público. Foto: Divulgação

 

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