O clássico britânico David Ricardo é cancelado em Washington

COMPARTILHE A NOTÍCIA

Retrato do economista britânico David Ricardo. Emprestado à National Portrait Gallery por Christopher Ricardo, em 2007. Esta pintura mostra Ricardo com 49 anos de idade, em 1821, apenas dois anos antes de sua morte relativamente precoce.

Ao tratar o livre comércio como ameaça, o presidente Donald Trump rompe com dois séculos de teoria econômica — e com a própria tradição americana baseada no economista britânico David Ricardo, um pensador clássico da economia.

O que houve:
O novo “tarifaço” lançado por Donald Trump parte da ideia de que os Estados Unidos foram “enganados” por décadas no comércio internacional. O discurso, repetido desde a campanha de 2016, trata o comércio global como uma armadilha montada por outros países. Mas a realidade é que a política comercial americana, historicamente, foi baseada em uma lógica bem diferente — e profundamente racional.

Quem foi David Ricardo e o que é vantagem comparativa
David Ricardo, economista britânico do século 19, foi o formulador da teoria da vantagem comparativa, um dos pilares do pensamento econômico moderno. Ele demonstrou que dois países podem se beneficiar mutuamente do comércio, mesmo que um deles seja mais produtivo em tudo. A chave é que cada país se especialize no que faz relativamente melhor — ou seja, com menor custo de oportunidade — e troque os excedentes.

A ideia simples e poderosa que estruturou o raciocínio por trás do livre comércio internacional:
• Cada país produz aquilo em que é mais eficiente;
• Troca com outros países o que produz de forma mais custosa;
• Todos ganham com isso — mais produtividade, menor preço, maior bem-estar.

Como os EUA aplicaram isso — até Trump
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se tornaram o principal promotor do livre comércio global. Mesmo com tarifas relativamente baixas, os EUA consolidaram superávits tecnológicos, exportando produtos de alto valor agregado, como aviões, equipamentos médicos e tecnologia de ponta.

Ao mesmo tempo, importavam bens de consumo de menor custo — roupas, brinquedos, eletrônicos — aproveitando cadeias produtivas globais e mantendo a inflação baixa e o poder de compra elevado. Essa arquitetura econômica, que teve seu auge a partir dos anos 1990, ajudou a transformar os EUA na maior potência econômica do mundo.

O que Trump está desmontando
Ao rotular o comércio global como uma ameaça à segurança nacional, Trump inverte a lógica ricardiana. A elevação das tarifas tem como objetivo “proteger” setores internos, mas ignora o efeito em cascata nos preços, na competitividade e na cadeia de suprimentos.

Esse novo protecionismo busca reverter a globalização em favor de uma reindustrialização forçada, sob as bandeiras do “reshoring” (trazer fábricas de volta ao território americano) e do “friendshoring” (produzir apenas em países aliados). Mas isso custa caro — e pode isolar os EUA do fluxo mais dinâmico da economia global.

O futuro do comércio: fragmentado, mais lento e mais político
O termo “slowbalization” — uma globalização mais cautelosa e regionalizada — já está em circulação. As cadeias produtivas estão sendo encurtadas, e a geopolítica se impõe sobre a lógica da eficiência. Ainda assim, projeções indicam que o comércio global seguirá crescendo, puxado por países emergentes como Índia, Vietnã e Indonésia.

Mas o movimento de Trump representa mais do que uma escolha econômica. É uma ruptura ideológica com a própria história dos EUA no sistema internacional.

Conclusão: romper com Ricardo é romper com os EUA que lideraram o mundo
Ao ignorar a teoria de David Ricardo, Trump abandona o modelo que permitiu aos EUA crescer, liderar e moldar a economia global por décadas. No lugar da interdependência inteligente, aposta no confronto e no isolamento competitivo.

O risco? Substituir uma estratégia comprovada por um discurso que, embora popular, empobrece o debate e encarece o futuro.

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

AtlasIntel revela consenso nacional contra o dono do Banco Master e expõe crise de confiança no sistema financeiro

Obtuário: Frank Gehry e o fim de uma era em que a arquitetura acreditava poder mudar cidades

Drones, motos e cidades no limite: por que Fortaleza terá que se adaptar

A análise da reviravolta: PL suspende apoio a Ciro Gomes após ofensiva de Michelle

A aposta limpa do Governo com Spark na frota pública: baixo carbono, eficiência e maior economia

Entenda o incômodo de Michelle com Ciro Gomes

Com Ciro como pivô, racha no bolsonarismo explode no Ceará e expõe disputa por comando no PL

Aeroporto de Jericoacoara. Foto: Divulgação

Entenda o que o leilão dos aeroportos regionais realmente revela

Aécio reposiciona PSDB, abre janela para apoiar Tarcísio e facilita a vida de Ciro no Ceará

Aécio banca PSDB no centro com veto a Lula e ao bolsonarismo; E como fica Ciro?

Com pesquisa e patente cearenses, curativo de pele de tilápia chega ao mercado; E o local da indústria?

Domingos Filho entendeu que o gênero é ativo estratégico e Patrícia Aguiar vira peça do PSD para 2026

MAIS LIDAS DO DIA

Ceará mantém maioria das rodovias em condição regular ou ruim, aponta CNT

AtlasIntel/Bloomberg: Lula lidera em todos os cenários e vence a direita em 2026

Câmara de Fortaleza aprova orçamento de 2026 com todas as emendas parlamentares

A sujeira (da) política contra a democracia

Fundações e associações sem fins lucrativos pagam salários 12% maiores que empresas, aponta IBGE

Marquise apresenta agenda de expansão à presidência da Caixa

Uma crônica sobre sapos; Por Angela Barros Leal