Com a morte do Papa Francisco, o mundo perde não apenas o primeiro pontífice latino-americano e jesuíta, mas uma das figuras religiosas mais transformadoras do século XXI. Seu papado não se resumiu a dogmas ou discursos protocolares: foi uma liderança profundamente simbólica e, sobretudo, humana.
Jorge Mario Bergoglio, o homem que escolheu se chamar Francisco em honra ao santo dos pobres e dos simples, entrou para a história como o Papa que tentou reconciliar uma Igreja milenar com os dilemas e esperanças do mundo moderno.
Seu maior feito não foi alterar doutrinas — ele raramente o fez —, mas mudar o tom, o olhar e a escuta da Igreja Católica. Herdou uma instituição ferida por escândalos de abuso sexual, pela perda de fiéis e pela desconfiança generalizada. E, diante disso, fez algo raro: ouviu. Conversou com vítimas, desceu ao nível das periferias sociais e existenciais, e falou mais de misericórdia do que de pecado. Trouxe para o centro da Igreja temas como migração, pobreza e mudanças climáticas, e convidou o mundo católico a respirar ar mais arejado.
Francisco incomodou. Aos conservadores, pareceu brando demais. Aos progressistas, lento e hesitante. Mas seu estilo foi o da paciência reformadora: sem rupturas, mas com deslocamentos profundos. Criou espaço para debates antes impensáveis, como o papel das mulheres, a escuta de católicos LGBTQIA+, e formas alternativas de vida familiar. Defendeu que a Igreja deveria ser um “hospital de campanha”, acolhendo os feridos do mundo, não um tribunal que sentencia os imperfeitos.
Sim, cometeu erros. Tardiamente reconheceu a gravidade de abusos clericais, e por vezes foi ambíguo onde o mundo queria firmeza. Mas foi honesto em suas limitações, e, acima de tudo, fiel ao nome que escolheu: como São Francisco, rejeitou os palácios, preferiu os gestos pequenos, e confiou no poder da ternura.
Ao fim de seu pontificado, o que fica é mais do que um balanço de decisões. Fica uma mudança de postura. Francisco não abriu portões — ainda pesam sobre a Igreja muitas trancas institucionais —, mas escancarou janelas. Deu ao catolicismo um rosto mais próximo da compaixão do que da condenação. E nos deixou, crentes ou não, com uma certeza rara em tempos de cinismo: a de que, mesmo nas estruturas mais antigas, é possível acender uma luz.