
Ao longo do último século, a figura dos papas passou de soberano infalível a personagem midiático, de teólogo silencioso a símbolo de escuta global. Nenhuma geração saiu ilesa dessa transformação. Desde os baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964), passando pela Geração X (1965–1980), pelos millennials (1981–1996) até os zennials ou Geração Z (1997–2010), cada grupo assistiu a uma Igreja em mutação — tentando se equilibrar entre tradição e modernidade, autoridade e empatia, doutrina e humanidade.
Com a morte do Papa Francisco, encerram-se também os papados que moldaram a memória religiosa — ou secular — das gerações mais antigas. Boomers e Xs são agora idosos ou maduros. Já Francisco foi o primeiro papa que realmente falou às gerações mais jovens, em sua linguagem, nos seus dilemas e contradições.
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Pio XII (1939–1958)
O papa do silêncio e da autoridade vertical
Figura central para os católicos nascidos antes ou durante a infância dos boomers. Era o papa da pompa, do latim, do silêncio durante a guerra. Sua distância era reverência. Sua infalibilidade, dogma.
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João XXIII (1958–1963)
O papa que abriu as janelas da Igreja
Convocou o Concílio Vaticano II e sacudiu as estruturas: missas nas línguas locais, papel dos leigos, diálogo com o mundo moderno. Os boomers viveram a juventude sob o impacto dessa reforma e da fé que ousava mudar.
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Paulo VI (1963–1978)
O papa da travessia e do medo do mundo moderno
Executou as reformas, mas travado pelas tensões internas. A encíclica Humanae Vitae — contrária à contracepção — afastou muitos jovens católicos. A Geração X nascia quando a Igreja já se encontrava em crise com a nova cultura.
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João Paulo I (1978)
O papa do sorriso breve
Durou apenas 33 dias. Mas sua leveza sugeria uma Igreja mais próxima, mais humana. Foi uma fagulha de esperança especialmente para boomers maduros e jovens Xs.
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João Paulo II (1978–2005)
O papa global da juventude da Geração X
Carismático, comunicador, missionário. Os boomers o viram como firme líder contra o comunismo e defensor da doutrina. A Geração X cresceu com ele: das JMJ ao conservadorismo moral. Era amado, mas também símbolo do controle romano.
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Bento XVI (2005–2013)
O papa da razão doutrinária e da renúncia histórica
Mais próximo da linguagem dos boomers. Teólogo ortodoxo, tentou frear os excessos da modernidade. Mas foi também o papa que, ao renunciar, humanizou o cargo — e revelou os limites da estrutura. Para os millennials, era o papa distante.
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Francisco (2013–2025)
O papa do gesto, da escuta e do atrito interno
Primeiro latino-americano. Escolheu o nome de Francisco. Preferiu gestos a decretos. Tornou-se referência ética para fora da Igreja — mesmo sendo atacado por dentro dela. Para os millennials e a Geração Z, foi o primeiro papa próximo: falava de meio ambiente, desigualdade, acolhimento. Fez selfies, usou redes sociais, condenou o clericalismo. Foi o papa da linguagem relacional, mais pastoral que dogmática.
Para boomers e Xs, já amadurecidos, ele foi um sinal de que a Igreja ainda podia se transformar. Para os mais jovens, Francisco foi o único papa vivido conscientemente — e o único que tentou dialogar com os dilemas do presente.
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O que se encerra agora
A morte de Francisco fecha um ciclo: o ciclo das gerações que conheceram o papa como figura de autoridade religiosa global. O próximo papa não terá a memória afetiva dos concílios, nem o peso carismático de João Paulo II, nem o espanto da renúncia de Bento. Ele terá que falar com uma geração que já não pergunta se existe Deus, mas por que alguém ainda se diz católico.
É o fim de uma era — e o início de um desafio ainda mais profundo: como ser Igreja num tempo em que fé e pertencimento já não caminham juntos?