20 anos do Mensalão: Bob Jefferson, o homem bomba; Por Emanuel Freitas

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Depois daquela manhã de 06 de junho de 2005, nem o governo Lula 1 nem o Brasil seriam os mesmos.

No texto assinado por Renata Lo Prete, responsável de então pela coluna “Painel”, da Folha de São Paulo, um conjunto de afirmações proferidas, em entrevista, pelo deputado federal, e então presidente do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), Roberto Jefferson seria responsável por meses e meses de atenção da opinião pública e da classe política para revelações que viriam, dia após dia, a alimentar o que ficaria conhecido como escândalo do mensalão.

O deputado não era qualquer um, nem na história política recente do país (relações com Collor o haviam feito ser creditado como nome importante do “centrão”), nem no governo Lula, uma vez que, como presidente de partido que integrava a base aliada, despachava diretamente com o então todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu (PT), com quem protagonizaria cenas inauditas na CPMI que seria instaurada semanas depois.

No mês anterior, um vídeo publicado pela Revista Veja mostrava o diretor dos Correios, Maurício Marinho, recebendo R$ 3 mil, que seriam propina avalizada por Jefferson (por isso é que a CPMI instaurada chamar-se-ia “CPMI dos Correios”, uma vez que Marinho era indicação de Jefferson para o cargo). Daquele dia em diante,  um ar de preocupação com aquilo que poderia vir daquela revelação agitaria Brasília.

E um primeiro grande desfecho veio, com a entrevista concedida à Lo Prete.

Como a jornalista mesmo afirmou em comentário recente, aquela entrevista fora negociada por semanas, vindo a realizar-se numa tarde de sábado; a cada afirmação de Jefferson, disse ela, um mar de possibilidades se abriria ante a repercussão de tão graves denúncias.

Na cabeça da jornalista, estaria ali apenas o começo de uma grande crise. Foi o que ocorreu.

Para ela, estava “mais ou menos claro que ele ia romper com o governo e, nessa condição, revelar informações sobre a relação e as negociações dele com o Palácio do Planalto. Mas que ele ia falar sobre a mesada, disso eu não sabia“.

Naquele tempo, uma entrevista publicada no jornal impresso pela manhã repercutia, ainda vagamente, nas ruas e nos corredores do poder e, apenas no dia seguinte, chegava às telas. Na semana seguinte, com uma repercussão que assim o exigisse, circularia em alguma das revistas de circulação nacional (com destaque para Veja, IstoÉ e Época), e, assim, numa cadeia de cobertura midiática (rádio e TV, uma vez que a internet ainda não era o que temos hoje), se estabelecia a cobertura acerca do escândalo em questão.

Tudo segundo o script necessário para o estabelecimento de um “escândalo político”, conforme a sugestão de John Thompson, em livro homônimo: fato considerado imoral aos olhos do grande público é praticado em segredo; fato revelado; reprovação da opinião pública. sequência de outras revelações que tornam o fato ainda mais grave; crise; desfecho. Eram os passos do “mensalão” se desenhando como “crise”.

Mas, o que de tão grave Jefferson relataria à Lo Prete?

Primeiro, a razão de ser da entrevista:

Eu vi que o governo agiu para isolar o PTB. Vai ter que sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos chacais. A ‘Veja’ falou que sou o homem-bomba. E o que você faz com a bomba? Ou desativa ou faz explodir. Estou percebendo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está ficando isolado para ser explodido”. 

Se fosse de cair, Jefferson e seu PTB cairiam “pra cima”, atirando para todo lado. Foi o que fez, mas com passos ensaiados. É que, desde a revelação da entrega da propina flagrada pela Veja, a responsabilização estaria caindo no colo do seu partido, o que, no seu entender, seria um erro uma vez que aquele pagamento estaria dentro do esquema que seria revelado na entrevista dali a alguns minutos.

Observe que a “crise” que faz Jefferson delatar o esquema diz respeito à relações em torno da governabilidade, da relação Planalto-Congresso. Não tendo a base um tanto quanto coesa que FHC tivera com PMDB e PFL, teria restado ao PT “pagar” pelo apoio a partidos menores, como veremos na revelação que Jefferson faz do esquema:

Um pouco antes de o Martinez morrer, ele me procurou e disse: “Roberto, o Delúbio está fazendo um esquema de mesada, um mensalão, para os parlamentares da base. O PP, o PL, e quer que o PTB também receba. R$ 30 mil para cada deputado. O que você me diz disso?”. […] O Martinez decidiu não aceitar essa mesada que, segundo ele, o doutor Delúbio já passava ao PP e ao PL. Morto o Martinez, o PTB elege como líder na Câmara o deputado José Múcio (PE). Final de dezembro, início de janeiro, o doutor Delúbio o procura: “O Roberto é um homem difícil. Eu quero falar com você. O PP e o PL têm uma participação, uma mesada, eu queria ver se vocês aceitam isso”. O Múcio respondeu que não poderia tomar atitude sem falar com o presidente do partido. Aí reúnem-se os deputados Bispo Rodrigues (PL-RJ), Valdemar Costa Neto [SP, presidente do PL] e Pedro Henry (PP-MT) para pressionar o Múcio: “Que que é isso? Vocês não vão receber? Que conversa é essa? Vão dar uma de melhores que a gente?” […] 

Na entrevista, o deputado afirmava ter contado o caso a vários “ministros”, uma vez que era impossível tratar com Lula.

Segundo ele, Walfrido Mares Guia, Aldo Rebelo, Ciro Gomes, Palocci e Dirceu foram diretamente informados e alertados por ele; com isso, sua narrativa era a de que conhecera, não quisera fazer parte e denunciara ao governo. Era alguém de “fora” do esquema.

Naquela entrevista Jefferson tomaria uma atitude em relação a Lula que se repetiria por alguns meses em seus depoimentos na CMPI e na Comissão de Ética, quando o pedido de sua cassação estava sendo apreciado: a de defesa. Lula estaria sendo “traído” pelo esquema parlamentar. Vejamos:

[…] “Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando mensalão aos deputados”. “Que ‘mensalão’?”, perguntou o presidente. Aí eu expliquei ao presidente.

Qual foi a reação dele?
O presidente Lula chorou. Falou: “Não é possível isso”. E chorou”. 

Um dos momentos mais memoráveis daquele ano é exatamente seu “recado” a Dirceu, na CPMI: Zé, desce daí, desce daí rápido, senão você vai fazer réu um homem inocente, o presidente Lula”

Assim, haviam dois PT´s : o responsável pelo esquema – José Dirceu, Delúbio Soares, Silvinho Pereira dentre outros; e o “traído”, o presidente Lula.

A entrevista, e o tom dos depoimentos seguintes, davam mostras de grande insatisfação do deputado com o que julgava ser o modus operandi do PT, especialmente com as rusgas advindas da eleição municipal do ano anterior:

“[…] o PT não tem coração, só tem cabeça. Ele nos usa como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia. Nós somos para o PT gente de segunda, eu sempre me senti assim. A relação sempre foi a pior possível. […] A nossa relação com o PT não é boa, não é boa. Você não pode confiar -o que está fechado não está fechado. Tudo o que é dito não é cumprido. Toda a palavra que é empenhada não é honrada. O PT esgarçou, esgarçou, esgarçou a minha autoridade como presidente do PTB, porque prometeu e não cumpriu. […]  Prometeram e não cumpriram, e eu avalizei diante dos companheiros o que eles fariam, lá na sede do PT. Então esgarça a autoridade, esgarça o limite, a relação. Quando atende, já não vale mais, porque você já sofreu tanto, já passou tanta privação, já ficou um negócio tão ruim”.

Por isso mesmo, vários seriam os embates diretos de Jefferson com Dirceu. Num deles, em depoimento da CPMI, e de frente ao então chefe da Casa Civil, Jefferson se dirige a ele nos seguintes termos:

“Vossa Excelência amedronta as pessoas. Muitas pessoas temem o enfrentamento com Vossa Excelência. Tenho medo de Vossa Excelência, porque Vossa Excelência provoca em mim os instintos mais primitivos”.

Um longo sussuro de estupor se ouviu na sala do depoimento. Fosse em nosso tempo, a frase viraria meme.

Dali em diante, as revelações tomariam corpo e se constituiriam na forma de “escândalo”, revelando toda a potencialidade do homem-bomba Roberto Jefferson.

Pouco mais de três meses depois, o deputado teria seu mandato cassado, por 313 votos a favor e 156 contra. Motivo?

Ele não teria conseguido provar que PP e PR estavam no esquema. Ou seja, Jefferson, denunciante do mensalão não conseguira provar sua existência.

No discurso que fez no plenário, naquele dia, mandou uma série de recados. Destaco o trecho final:

“Tirei a roupa do rei, mostrei ao Brasil quem são esses fariseus, mostrei ao Brasil o que é o Governo Lula, mostrei ao Brasil o que é o Campo Majoritário do PT”.

Um ano após as primeiras revelações, Bob Jefferson daria uma entrevista ao jornalista Luciano Trigo, em que prometia fazer “um retrato da política e dos políticos no Brasil“, e que tomaria forma no livro “Nervos de Aço“. O título, a propósito, fazia referência a uma cena da CMPI dos Correios, em que Bob era o depoente. Diante de parlamentares, da imprensa e do Brasil, o deputado chegara com o olho roxo. Disse que uma estante havia caído sob seu rosto enquanto escutava música. Delcídio Amaral (PT), presidente da CPMI, quis saber de que música se tratava. Sem pestanejar, Bob respondeu: “nervos de aço“. Um riso geral tomou conta de Suas Excelências.

Em 2017, um segundo livro chegou às prateleiras: Roberto Jefferson: o homem que abalou a República, do jornalista Cássio Bruno. O livro já dá conta de sua aproximação com pautas da direita radical.

De lá para cá, de homem bomba o ex-deputado passou a atirador de granada contra a PF.

Bom, o texto saiu extenso. Prometo escrever menos no próximo texto da série, onde lembrarei da associação irrestrita do imaginário popular, a partir dali, entre PT e corrupção.

Aguardo você.

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