O aumento desenfreado de vagas e cursos de medicina, muitos sem infraestrutura adequada, suscitou a necessidade urgente de avaliação da qualidade das escolas médicas e dos profissionais por elas formados.
Nesta perspectiva, o Ministério da Educação lançou recentemente o Enamed – Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica. Com 100 questões objetivas, o exame será aplicado anualmente aos concluintes dos cursos de Medicina e servirá também como critério para ingresso nos programas de Residência Médica.
Embora a iniciativa tenha uma intenção nobre — garantir qualidade na formação médica —, a proposta apresenta pontos que merecem revisão.
A centralização da avaliação exclusivamente nos estudantes, por meio de uma única prova ao final do curso, pode induzir a uma abordagem superficial do aprendizado. Há risco de que tanto instituições quanto estudantes se concentrem, de forma competitiva, apenas no preparo teórico, em detrimento do desenvolvimento de competências clínicas, emocionais, sociais e relacionais — como empatia, comunicação e trabalho em equipe.
Além disso, estudantes com melhores condições econômicas poderão ser favorecidos pelo acesso a cursinhos preparatórios, que tenderão a se multiplicar na iniciativa privada, ampliando desigualdades.
Outro ponto crítico é a ausência de mecanismos de avaliação ao longo do curso. Avaliações contínuas, como o Teste de Progresso, de caráter longitudinal e formativo — coordenado pela Associação Brasileira de Educação Médica —, poderiam oferecer dados mais consistentes para ajustes pedagógicos durante a formação.
Da mesma forma, modelos de acreditação institucional, como o SAEME (Sistema de Acreditação das Escolas Médicas), promovido pelo Conselho Federal de Medicina, avaliam dimensões mais amplas da qualidade das instituições, incluindo corpo docente, infraestrutura e metodologias pedagógicas. Esses modelos não foram incorporados ao Enamed.
Resta o questionamento: uma prova única ao final do curso será suficiente para avaliar, de fato, as escolas médicas? E quais desdobramentos regulatórios essa avaliação irá provocar?
Outro ponto sensível é a supressão da análise de currículo para ingresso na Residência Médica, substituída pela nota do Enamed. Isso representa um retrocesso. A medida pode desestimular o envolvimento dos estudantes em atividades fundamentais à formação crítica e abrangente, como projetos de pesquisa, extensão, monitoria e estágios extracurriculares.
Espera-se que o Enamed seja aprimorado e avance para um modelo mais abrangente e efetivo de avaliação, articulado a políticas educacionais que valorizem a formação integral, crítica e competente dos futuros médicos.
João Macedo Coelho Filho é Diretor da Faculdade de Medicina da UFC. Fez Residência em Clínica Médica no Hospital Universitário Walter Cantídio, tem Mestrado em Epidemiologia pela Universidade Federal de São Paulo, Fellowship em Geriatria pela University of Oxford, Reino Unido, e Doutorado em Farmacologia pela UFC.