A construção discursiva da propaganda eficiente pode se valer de hipérboles, eufemismos e metáforas de toda sorte, desde que se mantenha a curta distância dos dados da realidade que permitirão às generosas vantagens alegadas algum nível de aderência àquilo que o candidato é capaz de confirmar sob escrutínio dos eleitores e suas mediações.
E, por falar em metáfora, façamos valer uma para abreviar esta introdução ao tema do artigo. O alquimista da propaganda, requerido para transformar ferro em ouro, não pode se distanciar demais da compreensão de que sua matéria-prima não é dourada, mas apenas capaz de receber polimento e brilhar sob um verniz resistente à fricção da aspereza própria dos embates com outras forças em disputa.
Daí porque, quanto mais conhecido é, maiores as possibilidades de que um candidato tenha ampliada sua margem de rejeição: é ferro usado, já antes submetido aos desafios da realidade, pois exercer o poder é fazer escolhas — e as imposições objetivas nem sempre permitem a quem decide evitar decepções, senão a uns, mas quase sempre a outros.
Do mesmo modo, o poder oportuniza a demonstração de talentos e faz testados compromissos com determinada linha de conduta e em defesa de interesses melhor definidos, a partir dos quais a liderança constrói credibilidade. Ou não.
No entanto, diz o povo que em panela velha também se cozinha um bom feijão, embora os eleitores, comensais carentes de certos nutrientes, estejam sempre a reclamar a adição de novos ingredientes para engrossar o caldo e ter suas necessidades materiais melhor atendidas.
Uma nova candidatura de Lula à presidência deverá levar em conta todos esses aspectos — e as pesquisas têm dito em que medida cada um deles incide sobre suas chances de êxito. Não existe (boa) pesquisa que “não diz nada”. Quando chegar a essa conclusão, leia de novo: é você que não está sabendo traduzir os números ou está esperando deles mais do que podem, de fato, oferecer.
Há números que falam por si. Outros revelam seu nexo sintático quando confrontados a outros e, juntos, submetidos contextualmente a uma leitura correta da própria conjuntura política — e aí, tempo de serviço conta para o caçador que escuta os ruídos da floresta e sabe onde as andorinhas dormem.
Recorro a outra metáfora para lembrar que, para o eleitor, a decisão do voto é uma compra comparada. Quase nunca se trata de um “Jesus ou Barrabás”. A escolha de um é parametrizada pelas referências percebidas nos outros contendores. Renda, saúde, segurança: é da sua vida que se trata quando o eleitor assina aquele cheque em branco na tecla verde da urna eletrônica. E o eleitor, lançado à maré animista de estímulos simbólicos e sinérgicos de uma disputa eleitoral, frequentemente desaponta ou surpreende os alquimistas políticos com opções marcadas por um descolado senso de realidade e um pragmatismo proverbial.
Lula enfrentará mais uma vez a complexidade de se opor a um projeto liberal conservador — o que já denota uma contradição em termos, mas é fato: ao mesmo tempo em que o segmento que o rejeita considera um embaraço o envolvimento, para eles demasiado, do Estado nos trânsitos da economia, conta, por outro lado, com um Estado forte o suficiente no front — literalmente, no caso — da segurança pública e do controle sobre o dilaceramento da coesão social. Sem uma percepção mais clara das implicações subjetivas disso tudo, parte do eleitorado se mostra vulnerável à crença em soluções mágicas — simplórias em sua formulação e trágicas em seus efeitos reais.
Voltando à metáfora da panela velha e do bom feijão: o governo Lula 3 tirou da geladeira velhas receitas de aceitação consagrada, mas luta ainda, já se dirigindo à conclusão do mandato, para extrair de uma despensa pouco abastecida ingredientes que lhe permitam impactar a clientela com a oferta de um cardápio mais diversificado. Faz um governo de “prato feito” — e não me queixo do sabor — para uma população de classe média alargada que resiste em sair da fila do self-service.
Animal político de instinto aguçado em faro e mira como poucos, Lula observa o território e mede os passos. Enquanto a possibilidade real de alternância aglutina seus adversários, assiste a uma inclinação dispersiva em seu eleitorado de perfil mais fidelizado. Marujo calejado, o presidente sabe: 2026 é temporada de pesca em maré alta com nuvens carregadas. Só os mal informados estão tranquilos. E há muito mais futuro em jogo do que o pensamento médio imagina.
