Agosto lilás e o papel estratégico das empresas na proteção de colaboradoras em situação de violência; Por Érica Martins

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Foto: Freepik

Agosto é o mês dedicado ao combate à violência contra a mulher. Com a cor lilás como símbolo da luta, esse período é marcado por campanhas de conscientização e pela memória da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), um dos marcos mais importantes da história jurídica brasileira na proteção dos direitos das mulheres e que celebra 19 anos de vigência neste dia 07 de agosto de 2025.

O enfrentamento à violência doméstica, no entanto, não se limita à esfera privada. Os reflexos da violência atravessam os muros do lar e chegam ao ambiente de trabalho, afetando diretamente a saúde física e mental da mulher, sua autonomia econômica e sua capacidade de permanecer ativa e produtiva. Por isso, empresas, lideranças e profissionais de recursos humanos devem compreender a importância de seu papel no enfrentamento a essa realidade e estar atentos às regulamentações existentes acerca do tema.

A Lei Maria da Penha, além de medidas protetivas e penais, prevê instrumentos voltados à manutenção da dignidade da vítima em seu ambiente profissional. Entre eles, está a possibilidade de afastamento do trabalho por até seis meses, com garantia de remuneração e manutenção do vínculo empregatício, quando autorizado judicialmente, ficando o pagamento dos primeiros 15 dias a cargo da empresa e os demais, pagos pela previdência social. Em algumas situações, pode ser determinado também o afastamento do agressor do local de trabalho da vítima.

Mais recentemente, a Lei nº 14.457/2022, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres, reforçou a importância da atuação do setor privado na promoção da igualdade de gênero e na proteção da mulher no mercado de trabalho, para além das ações afirmativas que já eram reconhecidas e incentivadas pela própria CLT. Entre outras medidas, a norma incentiva a adoção de políticas internas de apoio às empregadas vítimas de violência, incluindo a flexibilização da jornada, a possibilidade de teletrabalho e o encaminhamento para serviços de acolhimento. Além disso, a lei tornou obrigatória a constituição da CIPAA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio, uma evolução da antiga CIPA, com a missão ampliada de coibir práticas de violência e assédio no ambiente de trabalho, conforme diretrizes da Convenção 190 da OIT, ratificada pelo Brasil em 2023.

Essas previsões dialogam diretamente com o artigo 3º da própria Lei, que assegura às mulheres o direito à saúde, ao trabalho e à dignidade. Em consonância, a Constituição Federal, ao tratar da proteção do trabalhador e da função social da empresa, reforça o dever das organizações de oferecer um ambiente seguro, inclusivo e respeitoso.

Não é incomum que a violência doméstica se manifeste no trabalho de forma silenciosa, mas impactante. Faltas frequentes, queda de desempenho, afastamentos por motivos de saúde, dificuldades de concentração e prejuízos na autoestima são sinais que, embora muitas vezes interpretados como problemas disciplinares, podem indicar situações de violência.

Neste contexto, o papel da empresa não deve ser apenas reativo. Adotar políticas de prevenção e acolhimento é fundamental. Algumas iniciativas possíveis incluem: canais de escuta qualificada e sem julgamento; apoio psicológico e jurídico, por meio de convênios ou profissionais indicados; flexibilização de jornada ou formato de trabalho; capacitação de gestores para reconhecer sinais de violência; campanhas internas de conscientização e implementação de normas de suporte a colaboradoras em situação de risco.

Destaca-se a iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que instituiu o Selo Empresa Parceira da Mulher, voltado ao reconhecimento de empresas que adotam práticas efetivas de combate à violência doméstica e de promoção da equidade de gênero. O selo visa estimular o setor privado a desenvolver ações preventivas, educativas e de apoio às colaboradoras em situação de vulnerabilidade, fortalecendo o papel das instituições no enfrentamento à violência e na consolidação de ambientes de trabalho mais seguros, justos e inclusivos.

Além de atender a uma responsabilidade social, agir nesse sentido é também uma forma de preservar o ambiente de trabalho, evitar passivos judiciais e promover uma cultura de cuidado e equidade. Uma organização que protege suas colaboradoras contribui não apenas com sua permanência no mercado de trabalho, mas com o fortalecimento da cidadania e da justiça social.

Neste Agosto Lilás, é preciso reafirmar que proteger a mulher é proteger sua vida, sua integridade, seu trabalho e sua autonomia. E que o compromisso com essa causa precisa estar presente também nas decisões das lideranças corporativas.

Érica Martins é Advogada, Mestranda em Direito Constitucional pela Unifor, Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Centro Universitário Estácio do Ceará, Professora Universitária, Conselheira Estadual da OAB-CE e Diretora Adjunta de Políticas Educacionais para mulheres da Escola Superior da Advocacia no Ceará (ESA-CE)

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