No curso errante das águas que não conhecem repouso, segue a nau dos loucos, carregada de homens e mulheres que perderam o norte e ainda assim insistem em navegar. É uma embarcação sem bússola e sem estrela-guia, mas com um rumor incessante de vozes que discutem, brigam, cantam e se calam em desordem. Cada qual acredita segurar o leme, mas o leme gira sozinho, entregue ao vento caprichoso e às correntes que não obedecem a ninguém.
Na proa, uns riem da própria desgraça, fazendo da loucura espetáculo para distrair a dor. Outros, recolhidos em silêncio, contemplam o vazio do horizonte e nele veem as formas de seus fantasmas pessoais. Há os que disputam pedaços de madeira como se fossem tronos, proclamando-se capitães de uma viagem que não leva a porto algum. E há também aqueles que, cansados da insanidade coletiva, desejam apenas fechar os olhos e se deixar levar pela maré.
A nau não é só metáfora, mas retrato de um tempo em que a razão se dissolveu na espuma dos acontecimentos. Loucura não é ausência de lógica, mas lógica invertida, repetida tantas vezes até parecer verdade. Na embarcação flutuam teorias sem lastro, promessas de terra firme que jamais se avista, discursos que inflamam e logo se apagam como fósforos no vento.
E, no entanto, é na nau dos loucos que todos embarcamos de algum modo. A sociedade que constrói prisões e templos, que celebra ídolos e destrona heróis, é a mesma que entrega o destino a pilotos cegos. O delírio coletivo não está nos marginais da margem, mas no centro, onde os que se dizem sábios confundem a própria voz com a da razão universal.
Seguir na nau dos loucos é reconhecer que a insanidade não é exceção, mas regra disfarçada. O que nos resta é aprender a distinguir, no tumulto da viagem, os lampejos de lucidez que brotam entre gritos, os gestos de ternura que resistem em meio ao caos. Talvez seja nesses instantes breves, frágeis como ondas que se desfazem, que a nau encontra sentido para continuar navegando.
