
“O meu papel,
Meu canudo de papel,
O meu papel,
Meu canudo de papel”
— Martinho da Vila, O pequeno burguês
As “cotas raciais” e a “reserva de vagas”, sem que se façam acompanhar de ações efetivas na educação pública fundamental e básica, contribuirão, a médio prazo, para o rebaixamento dos padrões de excelência e seletividade exigidos, em qualquer parte do mundo, para o ingresso na universidade.
A ampliação das condições de acesso aos cursos superiores, em instituições públicas e privadas, exige a redução das condições desfavoráveis de ensino na escola pública — e não apenas a diminuição das exigências e dos padrões de seletividade para absorver estudantes mal preparados.
Raça, condição social, cor da pele, preferências sexuais ou questões de gênero devem ser tratadas, ao longo do processo de escolarização, não por meio da exclusiva redução dos padrões de exigência para ingresso na universidade.
A justa medida para o êxito das políticas educacionais adotadas por qualquer governo resulta da redução progressiva da “reserva de vagas” para uma demanda de “vulneráveis sociais”. Programas assistenciais de governo não são atividades permanentes; são, ao contrário, socorros passageiros, incontornáveis, porém transitórios. O sucesso de qualquer programa de assistência social mede-se pela sua duração, na medida em que são encerrados por justa causa.
A solução de baixar os níveis e padrões de ingresso na universidade, sem interferência hábil e determinante sobre a educação fundamental e média, é medida falaciosa que dissimula a inépcia do Estado na definição de estratégias de políticas públicas eficazes.
Em países privados de oportunidades educacionais competitivas e de ensino profissionalizante de boa qualidade, como o nosso, a universidade converteu-se em símbolo canônico de ascensão social. O diploma que essa instituição oferece, ao final de alguns anos de vilegiatura acadêmica, tem pouca afinidade com os conhecimentos e habilidades que deveria validar, na prática e na teoria.
No Brasil, o “bacharelismo” fez morada permanente. Bacharéis somos, afinal, todos nós, os que recebemos, a bom ou mau grado, a tonsura universitária.
A obtenção antecipada de formação “técnica” ou “profissionalizante” abre oportunidades para inserção em um mercado de trabalho em visível expansão. Cursos técnicos são de nível médio; cursos profissionalizantes, de curta duração, são cursos superiores.
Os cursos técnicos e profissionalizantes, instrumentos poderosos de formação de mão de obra de nível médio em muitos países, tornaram-se, entretanto, no Brasil, por falta de prestígio social, mera passagem burocrática do ensino médio para o superior. Não passam de uma etapa em busca do canudo de papel — universitário, de preferência. É que, culturalmente, o reconhecimento social só é alcançado, aqui, com o canudo bacharelesco do diploma.
O cenário com o qual nos defrontamos, no Brasil, demonstra exatamente o contrário de uma profissionalização antecipada, fora da universidade. Ao contrário do modelo previsto, tanto uma formação quanto a outra não se caracterizam pela sua “terminabilidade”: são, como se sabe, apenas etapas obrigatórias rumo à formação graduada de nível superior.
O crescimento da população em idade escolar ocorre, todavia, em escala geométrica, sem adequado atendimento pela rede escolar municipal e estadual.
A ausência de projetos educacionais contínuos e relevantes, afastados dos interesses eleitorais contingentes, evidencia o improviso com que questões dessa importância são tratadas pelos governos no Brasil.
A complexidade crescente da administração da economia nacional, diante da expansão internacional dos mercados e das exigências políticas e sociais que governos democráticos devem enfrentar, requer níveis de formação e desempenho especializados e qualificados segundo padrões únicos de mérito e capacitação.
Aos que pretenderem replicar estas breves considerações, antes que as leiam e sobre elas reflitam, prometo indulgência e compreensão. Questões como esta, agora suscitada, mobilizam opiniões explosivas e combativas, alternadamente movidas por militância e ativismo ideológico.
Um pouco de esforço para que a questão proposta seja levada a sério parece absolutamente indispensável.







