O passado reina; Por Gera Teixeira

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O senhor castiga seu escravo com a palmatória. “Loja de sapateiro”, aquarela de Jean-Baptiste Debret, 1820-1830.

Quando Darwin desembarcou no Brasil, viu a alma nua do país. Chamou esta terra de “decrepitude moral” porque enxergou, sem esforço, que a barbárie não era exceção. Era o funcionamento normal da sociedade. Ele viu um povo acostumado à dor alheia, uma elite indiferente e uma estrutura que só existia graças ao sofrimento de muitos para o conforto de poucos. Darwin se horrorizou. Nós, não.

Quase dois séculos depois, continuamos afogados no mesmo pântano. O Brasil não se modernizou. Apenas sofisticou sua degradação. A escravidão virou método invisível, mascarado, eficiente. As correntes continuam, mas agora são psicológicas, econômicas, territoriais. O país se transformou num narcoestado onde o crime dita leis, controla bairros, determina horários, regula vidas. E o Estado oficial, frágil ou cúmplice, disputa espaço com bandidos que já entenderam que mandar é mais fácil do que governar. Aqui, o poder se mistura com a delinquência até que as fronteiras desaparecem.

O povo perdeu a altivez. A indignação virou peça de museu. A coragem adormeceu em definitivo. Somos uma nação que trocou dignidade por esmola, consciência por migalhas, futuro por dobrões baratos. O silêncio que paira é criminoso. É a assinatura coletiva da covardia. E quando um país se acostuma a abaixar a cabeça, a servidão vira paisagem.

Pior: o Brasil transformou o bandido em ícone. O crime virou mito, estilo de vida, referência cultural. O glamour da delinquência substituiu qualquer noção de mérito, decência ou honra. Ser honesto é quase um ato de resistência. Ser ético é quase um desafio à lógica vigente. A moral e a ética não ruíram hoje. Elas jamais existiram como fundamento sólido. O que temos é um esqueleto institucional tentando sustentar um corpo apodrecido.

O Brasil não é o país do futuro. Nunca foi. O futuro chegou cansado e descobriu que este lugar continua preso à mesma lama colonial, à mesma brutalidade, à mesma estupidez. Darwin se espantou porque tinha olhos limpos. Nós deixamos de nos espantar porque nos tornamos parte da paisagem. E quando a paisagem é a barbárie, não há esperança que resista.

Aqui, o passado não morreu. Ele reina.

Gera Teixeira é empresário ítalo-brasileiro com atuação nos setores de construção civil e engenharia de telecomunicações. Graduado em Marketing, com formação executiva pela Fundação Dom Cabral e curso em Inovação pela Wharton School (EUA). Atualmente cursa Pós-graduação em Psicanálise e Contemporaneidade pela PUC. Atuou como jornalista colaborador em veículos de grande circulação no Ceará. Integrou o Comites Italiano Nordeste, órgão representativo vinculado ao Ministério das Relações Exteriores da Itália. Tem participação ativa no associativismo empresarial e sindical.

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