
Por Christiane Leitão
Post convidado
A recente decisão da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará, que autorizou a gravação das conversas entre advogados e internos na Unidade Prisional de Segurança Máxima do Estado, acende um alerta grave sobre o futuro das garantias constitucionais. Ainda que direcionada a presos apontados como integrantes de facções criminosas, a medida extrapola qualquer parâmetro de razoabilidade jurídica ao atingir diretamente um dos pilares estruturantes do Estado Democrático de Direito: a inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente.
Não se trata de defender criminosos, tampouco de ignorar os desafios complexos enfrentados pelo sistema de segurança pública. Trata-se de reafirmar que nenhum contexto, por mais sensível ou excepcional que seja, autoriza a flexibilização de direitos assegurados pela Constituição Federal. É a própria Carta Magna que consagra, de forma inequívoca, a inviolabilidade da defesa, o direito ao sigilo profissional e a garantia de que ninguém será privado de um julgamento justo. O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) e a Lei de Execução Penal concretizam esse mandamento constitucional.
Segundo o Tribunal, a medida teria caráter excepcional, sustentada em indícios de que a unidade prisional estaria sendo utilizada para atividades ilícitas, com a ressalva de que o material permaneceria sob reserva de jurisdição e serviria para proteger a ordem pública. No entanto, ainda que tais justificativas busquem conferir legitimidade à decisão, nenhuma delas possui força suficiente para afastar a proteção constitucional conferida ao sigilo entre advogado e cliente. A Constituição não admite brechas quando se trata de assegurar o devido processo legal, a ampla defesa e a inviolabilidade das comunicações profissionais. A excepcionalidade invocada não pode se sobrepor a direitos que estruturam a democracia, especialmente porque, em contextos de crise, é quando mais se exige fidelidade absoluta à ordem constitucional.
Ao permitir a captação de diálogos entre advogados e pessoas privadas de liberdade, o Judiciário cearense flerta perigosamente com um retrocesso institucional. O sigilo da defesa não é um privilégio da advocacia; é uma garantia de todo cidadão contra arbitrariedades estatais. É o que assegura que o contraditório seja real, que a defesa seja efetiva e que o sistema de justiça não se converta em instrumento de exceção.
A crítica a essa decisão, portanto, não é corporativa. É institucional. Atinge toda a sociedade quando direitos basilares são colocados em xeque. Hoje, amplia-se a vigilância sobre diálogos em unidades de segurança máxima; amanhã, poderá ser qualquer conversa entre defensor e cliente em qualquer ambiente, sob justificativas igualmente excepcionais.
Por essa razão, a OAB-CE recorrerá da decisão, adotando todas as medidas judiciais e administrativas cabíveis para assegurar a preservação das prerrogativas profissionais e a plena observância da Constituição. Além disso, a Ordem reforça que o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB Ceará (TED) atua com rigor e responsabilidade institucional. Constituído nos termos da Lei nº 8.906/94, do Código de Ética e Disciplina da OAB, do Regimento Interno da OAB-CE e demais instrumentos legais, o TED exerce funções essenciais para a integridade da advocacia, julgando processos disciplinares e reforçando o compromisso da Ordem com a dignidade da advocacia cearense.
A proteção das prerrogativas da advocacia não interessa apenas aos advogados, mas a toda sociedade que busca um sistema de justiça forte, ético e comprometido com os valores constitucionais. A inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente não é obstáculo ao combate ao crime; é, ao contrário, um compromisso civilizatório que garante a integridade do Estado de Direito.







