
Frank O. Gehry morreu aos 96 anos, em Santa Monica, encerrando uma trajetória que redefiniu não apenas a estética da arquitetura contemporânea, mas o próprio entendimento do que um edifício pode fazer por uma cidade. Sua morte não marca apenas o fim de um arquiteto: é o fechamento de uma era em que o gesto formal parecia capaz de alterar destinos econômicos, atrair fluxos globais e reposicionar territórios inteiros no mapa cultural.
Nenhuma obra simboliza isso melhor do que o Guggenheim Bilbao. Quando abriu em 1997, não era somente um museu revestido de titânio; era um acontecimento geopolítico. Bilbao, até então uma ex-cidade industrial sem horizonte, virou estudo de caso, destino turístico, laboratório urbano. Nascia o “efeito Bilbao”, talvez o conceito mais influente — e mais copiado — do urbanismo das últimas três décadas: a ideia de que um edifício ícone seria capaz de reprogramar uma economia inteira.
Gehry entregou mais que curvas metálicas. Entregou esperança. Sua arquitetura parecia viva, em movimento, desafiando o peso das cidades que o século XX havia erguido. Ao contrário da austeridade modernista, ele ofereceu leveza, humor, fantasia — e uma recusa sistemática à monotonia.

O arquiteto que virou verbo
A obra de Gehry ultrapassou a profissão. Virou referência pop. Inspiração de animadores, músicos, cineastas, designers. O arquiteto virou personagem de si mesmo — às vezes criticado por formalismo, outras vezes cultuado como libertador da forma. Mas ninguém ficou indiferente. Gehry não projetava prédios: projetava reações.
O Disney Concert Hall, em Los Angeles, transformou a relação entre arte, espaço público e monumentalidade. O Stata Center, no MIT, provocou debates intensos sobre funcionalidade versus experimentação. Sua casa em Santa Monica — o projeto que o lançou — continua sendo uma declaração: a vida cotidiana também merece ser reinventada.

Mas o mundo mudou. E Gehry sabia
Sua morte chega num momento em que o “efeito Bilbao” já não se sustenta. Cidades têm menos dinheiro, sociedades estão mais desconfiadas de grandes ícones e a arquitetura se vê pressionada por demandas urgentes: clima, densidade, habitação, mobilidade, desigualdade.
A estética expansiva de Gehry pertenceu a um mundo mais otimista — um mundo que acreditava que cultura e espetáculo poderiam curar feridas urbanas. Ele próprio reconheceu, nos últimos anos, que a arquitetura precisava reconciliar ambição com responsabilidade ambiental e social. Mas também nunca pediu desculpas por ter acreditado na emoção como ferramenta de transformação.
O legado
Gehry deixa edifícios inesquecíveis, mas deixa, sobretudo, uma pergunta:
o que faz uma cidade vibrar? Para ele, era a capacidade de surpreender. De romper padrões.
De gerar encontros improváveis entre arte e cotidiano. No momento em que tantas cidades, inclusive brasileiras, se perguntam como reimaginar seu destino — de Fortaleza ao Recife, de São Paulo a Porto Alegre — a lição de Gehry permanece atual: não existe transformação urbana sem coragem estética, política e intelectual.

Frank Gehry não desenhou prédios.
Desenhou possibilidades.
E é isso que o torna imortal.








