“Ninguém é suficientemente competente para governar outra pessoa sem o seu consentimento.”
Abraham Lincoln
O voto — sua legitimidade e a contabilidade de cada lançamento — sempre foram, no Brasil, uma questão central para o funcionamento da democracia.
Não que as dúvidas que cercam a governabilidade surjam de questionamentos morais, filosóficos ou teológicos. Longe disso. Decorrem, na prática, das contribuições recentes da informática e da segurança da “leitura” dos votos capturados pela urna eletrônica — peça fundamental do mecanismo eleitoral, mas não a única, tampouco a menos importante.
Os votos são, como na biologia, blocos de construção: sustentam a democracia como as proteínas mantêm as células coesas, permitindo o equilíbrio celular… e democrático.
A formação do voto, sua manifestação, a apuração e a contabilidade de sua quantificação compõem uma engenharia complexa. Parte disso, sabemos, é assegurada pela urna eletrônica — razão de sua importância e também de seus mitos. Mas as duas etapas iniciais — a formação e a manifestação do voto — são mais fugidias, difíceis de mensurar e controlar.
A propaganda eleitoral, as pesquisas de opinião, as influências veladas em troca de adesões “espontâneas” e o financiamento partidário mantêm a mesma relevância de outrora — desde o voto “a bico de pena” nos primórdios do Império.
Seria possível falar de uma verdadeira “economia eleitoral”, tal o volume de valores, articulações e operações envolvidos para dar forma a esse ritual cívico.
Os “colégios eleitorais” e os “cabos eleitorais” persistem, atravessando toda a história do voto no Brasil. Nada têm a ver com a urna eletrônica — nosso mais eficaz equipamento de contagem de cabeças votantes — mas são ainda hoje engrenagens de uma mesma máquina.
O Direito Constitucional e a Ciência Política, cada qual com sua armadura teórica, cumprem seu papel na defesa do arcabouço democrático. Emprestam conceitos, preceitos e uma dose de autoridade ao que, em essência, é tão vulnerável quanto indispensável.
Por isso, o voto assumiu na consciência coletiva a condição de “dever” e “direito”, envolto nos contornos imprecisos de uma gesta misteriosa, inseparável da cidadania.
Reza uma anedota do interior do Ceará, nos tempos em que abríamos o peito para a democracia sob a inspiração de Montesquieu, Jefferson e os federalistas da Revolução Francesa: em certo dia festivo de eleição, “cabos eleitorais” distribuíam envelopes lacrados com as cédulas impressas, prontas para serem depositadas na urna. Um eleitor, curioso, resolveu abrir o envelope para conferir os nomes que lhe cabiam.
O mesário, zeloso de suas responsabilidades e prerrogativas, logo bradou:
— “Pois não sabe que o voto é secreto?”
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