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A eterna batalha. Por Angela Barros Leal

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Não, não vou escrever uma crônica de diabética doçura, muito embora o assunto seja o beija-flor, aquele que toda manhã desce na minha varanda, vindo das alturas, para mergulhar seu bico pontudo na corola das flores amarelas. Aquele mesmo, que voa com tamanha elegância, seu corpo azul escuro, quase preto, deslocando-se na velocidade da luz de uma à outra, mantendo postura vertical, qual fosse uma bailarina em salto breve, beijando as flores a seu prazer.

Vai e vem, o colibri, desfilando sua imagem de suavidade e romantismo. Imagina-se, quem sabe, filmado em câmera lenta, único equipamento capaz de remover a invisibilidade de suas asas lépidas, nos permitindo ver detalhes quase musicais delas, qual um maestro a reger uma sinfonia. Como jura em cruz a voz popular, é a própria poesia em voo, o pequenino beija-flor.

E, no entanto. No entanto, ao lado de tão açucarada imagem existem, como contraponto, os Fatos: esses eternos estraga-prazeres, recebidos com ambivalência, que parecem ter sido criados para desafiar certas ideias entronizadas em nosso pensamento.

Pois consta como fato que, entre sua importante característica de atuar como instrumento de polinização das flores, e o puro encanto visual de se permitir apreciar como a joia voadora que é, o doce beija-flor integra a longa listagem dos pássaros territorialistas. Em tal condição, é de sua natureza hostilizar, com garras, bico e asas, qualquer outro que venha invadir o que ele considera seu espaço.

Há tempos eu suspeitava disso, considerando incomum o monopólio do beija-flor junto às minhas flores. E encontrei a prova em um vídeo, enviado por um primo que reside no Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, e que flagrou o comportamento hostil do falsamente poético colibri.

Ao perceber que o pássaro espantava aqueles que ousavam se servir no bebedouro com água e açúcar, pendurado na varanda dele, meu primo instalou um segundo recipiente, mais pomposo, para uso exclusivo do beija-flor. Ao lado do bebedouro, uma câmera para acompanhar o desenrolar dos acontecimentos.

Viu assim que o dito colibri passou a usufruir de seus novos domínios, sem deixar de intercalar os goles com ataques ao sanhaçu, ao bem-te-vi, à andorinha, aos outros passarinhos sedentos que se aproximassem de qualquer uma das fontes. Ao final do vídeo, que se alonga por não mais que um minuto e meio, é possível contabilizar seis ataques do beija-flor aos colegas de asas.

Interessante, o contraponto entre o voo delicado do colibri, sorvendo o néctar artificial em seu bebedouro exclusivo, como nos melhores romances oitocentistas, e os instantes em que ele, por seis vezes, volta sua fúria aos que deve considerar como usurpadores de seus extensos direitos.

Em poucos segundos, todo aquele dulçor – para usar um termo apropriado à época romântica – transforma-se em instinto guerreiro. A pequenina joia voadora assume o aspecto de um drone armado, de uma máquina de guerra pesando entre 4 ou 5 gramas, mergulhando certeira contra seu alvo.

O sanhaçu exposto no vídeo, a vítima da vez, protege-se assustado, atrás de uma barreira de madeira que deveria servir de suporte ao bebedouro, e não de escudo. Em seu minúsculo neocórtex cerebral de pássaro, habituado ao verde cada vez mais reduzido do Recreio, pressente o perigo e se defende como pode. Enquanto isso, o beija-flor é flagrado cada vez mais hostil, em suas idas e vindas, versão alada do médico e do monstro da lenda, imbuído da missão de espantar para longe os que ameaçam seu território.

Me parece desnecessário engendrar um final da história, que evidencie a óbvia dissociação entre o que é imagem, e o que se impõe como fato. Como nas antigas fábulas, que resistem em nosso pensamento desde os tempos em que animais falavam, e que milagres eram possíveis, ainda que mil vídeos documentem o instinto agressor do beija-flor, nossa percepção sobre ele não mudará nessa batalha eterna. Continuaremos adornando nossa vida com sua imagem de doce joia voadora, fazendo de conta que não existe, como fato, a possibilidade de uso de suas garras de aço, de suas asas de ferro e de seu bico ferino.

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