Cairo Trevia
Post convidado
Em dezembro de 2021, pouco antes do recesso legislativo, foi publicada a Lei Complementar nº 187/2021, que regulamentou a imunidade tributária de contribuições sociais garantida às entidades de terceiro setor pelo artigo 195, § 7º, da Constituição Federal. Essa legislação é importante, pois, além de tratar de uma classe de tributos das mais onerosas no Brasil, resolve uma questão há muito controversa, causadora de muitos litígios.
Apesar de esse estado de litigiosidade ser mais antigo, o principal capítulo de sua história aconteceu em 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 566.622/RS, estabeleceu a Tese nº 32 da Repercussão Geral, a qual, após ajustada, passou a ter os seguintes termos: “A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas”.
Em outras palavras, o que o precedente da Suprema Corte afirmou é que a regulamentação da imunidade tributária prevista no artigo 195, § 7º, pode ser condicionada apenas por lei complementar, não por lei ordinária. A Lei Federal nº 12.101/2009, que regia a matéria até então, não foi declarada inválida, por si, mas foi tida como instituidora de requisitos procedimentais para reconhecimento da imunidade, mas não para o direito a ela em si.
Portanto, não obstante a Administração Pública ainda pudesse exigir os requisitos legais para conceder o Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social (CEBAS), este era meramente declaratório da situação. Caso o contribuinte provocasse o Poder Judiciário, ou questionasse eventual autuação em processo administrativo, a imunidade ainda poderia ser reconhecida. Para tanto, bastava atender às condições do artigo 14 da Lei Federal nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN), que foi o parâmetro estabelecido pelo STF até que fosse editada lei complementar para regulamentar a matéria.
Com efeito, a Lei Complementar nº 187/2021 foi editada para servir exatamente a essa função. Havia muito questionamento sobre o pouco rigor que as condições do artigo 14 do CTN impunham, permitindo que várias entidades sem fins lucrativos, com relativa facilidade, pudessem evitar o pagamento das contribuições sociais. Essa conjuntura causava comoção em alguns setores do Congresso Nacional, considerando que proporcionava rendimentos elevados a algumas pessoas por vias oblíquas. Não obstante fosse impossível a distribuição de lucros em si, instituições privadas remuneravam com valores consideráveis dirigentes e funcionários, pois o exercício da atividade econômica sem o ônus de vários tributos permitia margem para tanto, chegando a prejudicar a livre concorrência em alguns casos.
Nessa perspectiva, após alguns anos de entraves políticos próprios do processo legislativo, a regulamentação para a imunidade das contribuições sociais finalmente passou a viger. Ela reproduz, em grande medida, a regulação que já havia constado em lei ordinária anteriormente, sem prejuízo de também inovar em diversos aspectos. Essas novas regras estão divididas entre as atividades de saúde, de educação e de assistência social, com disciplina própria para cada uma, de acordo com a função social de cada organização.
As entidades beneficentes devem, então, estar atentas à nova legislação, pois a inobservância aos novos requisitos pode gerar ônus financeiro que suas atividades, na forma em que estruturadas atualmente, podem não suportar. Uma autuação fiscal inesperada, com cobrança de tributos acumulados ao longo de anos, além de juros, correção monetária e multas que podem chegar a 75% e até 150%, pode pôr em risco uma organização com muitos anos de história, e, consequentemente, prejudicar o que é um projeto de vida para alguns e uma oportunidade para outros, os mais hipossuficientes de uma sociedade pobre como a brasileira.
As entidades que se encontrarem nessa situação, portanto, devem considerar as alternativas de se readequar às condições da nova legislação, ou de adaptar seu orçamento para arcar com as contribuições sociais sem inviabilizar a continuidade de seus nobres propósitos. A orientação jurídica adequada é essencial nesse processo para reduzir os riscos que lhe são próprios, evitando o potencial de ruína que uma mudança de regime jurídico como esta pode gerar.