A lei da selva. Por Rui Martinho

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Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

A invasão da Ucrânia nos faz lembrar que as relações internacionais se regem pela lei da selva. Predadores atacam suas presas livremente. O lobo se queixa que o cordeiro está sujando a água do córrego a jusante do devorador, na fábula de Jean de La Fontaine (1621 – 1695). A Rússia alega que a Ucrânia é fantoche dos EUA, a OTAN avançou para o leste e a presença da aliança ocidental junto às suas fronteiras é uma grave ameaça. Há até quem diga que a invasão atual é uma profecia que se autorrealiza, porque os EUA anunciaram repetidas vezes o ataque russo à Ucrânia.

A invasão começou em 2014 na Crimeia. Não havia presidente americano avisando que o ataque era iminente. Outras regiões do leste da Ucrânia foram invadidas por tropas que se apresentavam como moradores locais, de etnia russa, com objetivo separatista. Quando a Ucrânia tentou reintegrar os territórios ocupados em nome do separatismo a Rússia interveio com ameaças. A Ucrânia, nos anos noventa, entregou o seu grande arsenal nuclear à Rússia sob promessa de que teria a integridade do seu território respeitada. EUA e Reino Unido se colocaram como garantes da promessa russa. A Rússia descumpriu a promessa e os garantes não garantiram nada.

A alegação de que a OTAN “avançou para o leste” ameaçando suas fronteiras é semelhante ao discurso da fábula citada. Os países do leste europeu, ouvindo o discurso de Putin segundo o qual o fim da URSS foi o maior desastre de todos os tempos para a Rússia, buscaram a proteção Aliança do Atlântico Norte. Agora o líder russo confirma os temores dizendo que os povos com laços históricos com a Rússia e sem tradição de independência não existem legitimamente como nação soberana, referindo-se à Ucrânia com um discurso que se aplica a Belarus (que já se rendeu), Moldávia, Geórgia e repúblicas bálticas. Até a Finlândia e a Suécia foram ameaçadas e proibidas de entrar para a OTAN, tendo suas soberanias limitadas.

A Rússia preparou a guerra. Estocou alimentos, fez aliança com a China, sacrificou o crescimento econômico para estocar reservas de divisas e de ouro e modernizou o seu arsenal nuclear, colocou-se à frente dos EUA em mísseis de cruzeiro hipersônico, mísseis balísticos manobráveis, drones nucleares aquáticos, mantendo a tradicional superioridade em armas convencionais como tanques, aviões e artilharia. Acusa o ocidente de provocar corrida militar, mas foram os primeiros, desde os tempos da URSS, a produzir tanques com blindagem composta, com recarga automática do canhão e com blindagem reativa, iniciaram a corrida militar no espaço e mantiveram a superioridade numérica.

Dizem que a corrida militar é do interesse do capitalismo. Mas as democracias têm nos bens de uso civil uma parcela muito maior da economia do que tinha a URSS e hoje tem a Rússia. Produzir bens civis é mais lucrativo. Armas são encomendadas e desenvolvidas a elevados custos, depois os cortes orçamentários deixam o fabricante a ver navios. A EMBRAER desenvolveu o KC-390 tendo a promessa de compra de vinte e oito dessas aeronaves pela FAB. Vieram os cortes orçamentários e a encomenda foi reduzida para vinte e dois aviões, podendo sofrer novos cortes.

A ENGESA faliu por desenvolver modelos de blindados que o Brasil não comprou, como o tanque Osório, o caça tanques Sucuri, o blindado leve Jararaca. A compra de armas tem especificações técnicas muito rigorosas. Consumidores civis não são tão exigentes. O resultado é que as democracias estão sempre despreparadas.

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