Por Gabriel Brandão
Post convidado
A recente decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes, no âmbito de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), restringindo exclusivamente ao Procurador-Geral da República a legitimidade para apresentar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal, representa, com o devido respeito, um profundo equívoco jurídico, institucional e democrático. Trata-se de uma medida liminar — e, portanto, provisória — que afeta diretamente a separação dos Poderes e altera, de forma incompatível com a Constituição, a própria lógica de responsabilização das altas autoridades da República.
O artigo 41 da Lei 1.079/1950, legislação nunca revogada e recepcionada pela Constituição de 1988, é claríssimo ao prever que “qualquer cidadão” pode apresentar denúncia por crime de responsabilidade contra ministros do STF e o PGR. É justamente essa abertura democrática que garante que a responsabilização dessas autoridades não fique sujeita a controles internos, corporativos ou concentrados em uma única figura institucional.
Ocorre que, por decisão isolada de um ministro, sem que o colegiado tivesse sequer a oportunidade de apreciar o tema, esse dispositivo foi, na prática, anulado, substituindo-se a vontade do legislador pela visão individual de um magistrado.
Ora, a Constituição de 1988 estabeleceu um sistema de freios e contrapesos no qual cada Poder desempenha papéis definidos e limitações recíprocas. A interpretação constitucional pode — e deve — evoluir, mas não pode servir como instrumento para que um juiz substitua o legislador, criando normas inexistentes ou extinguindo normas válidas sob o argumento de leitura “conforme” ou de suposta necessidade institucional. Inovar a ordem jurídica é tarefa privativa do Parlamento, não do Poder Judiciário.
Além disso, a decisão foi proferida monocraticamente e em sede liminar, o que agrava ainda mais o cenário. Trata-se de tema extremamente sensível, com impacto direto na responsabilidade política de ministros do próprio STF, que jamais poderia ser decidido de forma unipessoal.
A Constituição não confere aos ministros do Supremo o poder de suspender, por canetada solitária, o alcance de leis vigentes e historicamente consolidadas. A gravidade da matéria impunha, no mínimo, o debate colegiado e uma autocontenção ainda maior.
A consequência prática da decisão é preocupante: concentrar exclusivamente no Procurador-Geral da República a legitimidade para provocar o Senado em casos de crimes de responsabilidade praticados por ministros do STF significa entregar a um único agente político o monopólio da abertura desse tipo de processo. Isso fragiliza o sistema de responsabilização e cria uma barreira institucional contrária ao espírito republicano de controle e transparência.
E, por isso mesmo, a decisão reforça um debate que cresce no país: a urgente necessidade de limitar o alcance das decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal. Não se trata de retaliação, mas de aperfeiçoamento institucional, de reafirmar o papel do colegiado e impedir que temas estruturais da República sejam decididos de forma unipessoal.
A democracia brasileira exige responsabilidade, prudência e respeito às competências constitucionais. Quando a jurisdição constitucional se permite avançar sobre o papel legislativo, especialmente em decisões solitárias, abre-se um perigoso caminho de descompasso institucional.
Restabelecer o equilíbrio exige que o pleno da Corte reveja urgentemente essa liminar, reafirmando que mudanças estruturais na legislação e nas regras da República devem ser feitas pelo Legislativo, com debate público e responsabilidade democrática. Somente assim preservaremos a legitimidade das instituições e a confiança da sociedade na Justiça e no Estado de Direito.








