“O maior mal do mundo não é cometido por monstros, mas por pessoas que se recusam a pensar no que fazem.” – Hannah Arendt
A arma estava sobre a mesa. Exposta — como uma armadilha à espera do pior. O pai esqueceu o mandamento mais básico de quem convive com armas: proteger, jamais descuidar. Armas de fogo não podem ser exibidas como troféus. Um minuto de distração pode custar uma vida. E, às vezes, custa tudo.
A criança tinha dois anos. Pegou a pistola. Ficou alguns segundos com ela nas mãos, como se fosse um brinquedo infantil. Tempo suficiente para que tudo fosse evitado. Mas ninguém viu. E então, um disparo certeiro contra a mãe. Ela ainda se levantou. Mesmo socorrida, não resistiu. Morreu. O coração de uma família foi dilacerado.
O episódio ocorreu no Mato Grosso do Sul, no último dia 13, e foi amplamente divulgado pela imprensa.
O pai agora vive um luto dobrado. Perdeu a esposa. Feriu o próprio filho. E sim — foi negligente. Errou gravemente. Mas não é um monstro. Não teve intenção. Não violou a lei por vontade, e sim por um descuido fatal. A pena que sofre — silenciosa, diária — é maior que qualquer condenação formal. Porque viverá com o “e se” pelo resto da vida. Claro, haverá o devido processo legal, e caberá à Justiça a palavra final.
Devemos reconhecê-lo como culpado por uma omissão gravíssima, mas também como um homem esmagado pelo destino. E, sim, devemos perdoá-lo. Não para absolvê-lo — mas para impedir que a tragédia se alastre ainda mais. O perdão é necessário quando a dor já puniu além da conta. E, nesse caso, puniu.
E o filho? Um dia saberá. Alguém contará. E mesmo sendo inocente — como é — o peso virá. Porque a mão era dele. Mas não a responsabilidade. A culpa pertence a quem falhou em protegê-lo. A quem não manteve a arma fora do alcance de suas mãos.
As Escrituras dizem: “Vigiai, pois não sabeis o dia nem a hora.” A vigilância sobre os filhos não é conselho — é mandamento. As crianças são o que há de mais puro no mundo. Não merecem sofrer. Não podem ser expostas ao perigo, ao acaso, ao caos.
Qualquer um de nós pode cair. Basta um gesto impensado. Um objeto fora do lugar. Um instante de displicência. Por isso, a vigilância deve ser constante. O Mal não se esconde em becos escuros — ele se oculta à luz do dia, quando nossos olhos deixam de enxergar o que é obrigação. A criança foi ponte. Ele não precisa de corpos adultos. Aproveita as brechas que não foram devidamente fechadas. E quando encontra uma arma esquecida sobre a mesa, a tragédia já está anunciada. “O Mal entra onde o bem falha em ocupar seu lugar.”
(Santo Agostinho, Civitas Dei)
Que isso sirva de advertência a todos. Cada vez que uma criança é exposta, ferida ou morta por descuido, não se trata apenas de uma falha isolada — é o reflexo da negligência de quem devia vigiar. É o preço cobrado quando se abandona o dever mais básico: proteger os inocentes. Isso não é caridade — é obrigação moral. E quem negligencia esse dever, por comodismo, descaso ou silêncio, torna-se cúmplice do Mal que finge não enxergar.
