
Enganam-se, ou talvez se façam de desentendidos, aqueles que imaginam que o Ceará é chamado de “Terra da Luz” pelo sol majestoso que se deita nas nossas terras, tingindo de ouro e fogo as tardes que Deus nos dá. Tampouco, para desiludir os românticos, a alcunha tem relação com a Belle Époque, aquele curto período de euforia estética, progresso e falsa harmonia que embalou uns poucos privilegiados na Europa.
Na verdade, a luz que nos batiza vem do brilho da liberdade. O Ceará foi a primeira província deste Brasil a abolir oficialmente a escravidão, em 25 de março de 1884, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea, no cabalístico e emblemático ano de 1888.
Claro que convém lembrar, sem ingenuidades, que a história oficial, sobretudo no Brasil, quase sempre é redigida por mãos muito bem posicionadas. E quem segura a pena escolhe o que conta, o que esconde, o que enfeita, o que maqueia… e, sobretudo, quem sai como herói no retrato e quem some feito mágica nas entrelinhas. Afinal, o passado, por aqui, nunca foi bem um relato, sendo mais uma obra de ficção colaborativa, patrocinada, claro, pelos donos do presente.
O tempo passou, a luz da liberdade virou marketing turístico, slogan de governo, nome de escola, de bairro e, quem sabe, até de pizzaria. Luz que, às vezes, parece se apagar nos descaminhos da história. Prova disso talvez seja a monumental arquitetura do Mausoléu do Castelo Branco, aquele mesmo que foi cogitado para ser implodido e hoje ostenta no letreiro a palavra “Liberdade”, ironia que nem sei bem de qual liberdade se fala.
Mas como dizem por aqui, na terra onde até o sol foi vaiado, tudo é possível. Afinal, perde-se um amigo, mas não se perde uma piada.
Outro dia, na fila de um supermercado, vi um pai tentando explicar ao filho o motivo de tantos patinetes elétricos espalhados pela cidade. O menino, olhos atentos, parecia esperar uma resposta mágica. O pai, meio engasgado, falou de sustentabilidade, mobilidade, direito de ir e vir. Mas, sinceramente, o garoto não entendeu patavina. E cá entre nós, acho que nem o pai.
A verdade é que, depois de seis meses de gestão, o patinete se tornou, aos olhos de muitos, um dos feitos mais destacados da administração municipal. Sim, é isso mesmo. Para uma gestão que ainda patina, talvez seja melhor contentar-se com patinetes. Eles, pelo menos, têm rodas e algum rumo. Melhor isso do que se somar à farra do big brother cearense, aquele que já torrou cifras bilionárias em câmeras, monitores e vigilância que pouco vigia, mas muito consome.
Aqui, na Terra da Luz, a gente aprende cedo que nem toda luz ilumina. Às vezes, ofusca.
