AGU e sua “procuradoria da verdade” na contramão da Constituição Federal. Por Frederico Cortez

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Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados.

Por Frederico Cortez

“Ano novo, vida nova”! Mas isso não quer dizer que tal regra deva valer para a segurança jurídica de uma democracia, como é o Brasil. Pois bem, perto de completar sua primeira quinzena, o Governo Federal já inicia com uma proposta com potencial corrosivo do sistema democrático ao criar a sua “procuradoria da verdade”, camuflada com o nome de “Procuradoria de Defesa da Democracia” pela via da Advocacia-Geral da União (AGU).

Somente em sistemas autoritários, ditatoriais e despóticos, a “verdade” é tutelada por um só órgão administrativo ou única instância judicial.

Eis que no anúncio sobre a nova estrutura da AGU no dia 1º de janeiro, um “novo órgão é sacado do colete cuja a missão será a de atuar no combate à desinformação. De bom grado lembrarmos, que a democracia brasileira é regida pelo direito positivo, posto, ou seja, um sistema legal proposto, discutido e aprovado pelo Congresso Nacional, tudo em pleno respeito ao sistema de freios e contrapesos afeito ao republicanismo. Assim, a Constituição Federal em seu art. 131 é incontroversa ao atribuir o mister da AGU quando versa que “A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”.

No caso, a proposta dessa nascente aberração jurídica (procuradoria da verdade) tem como base a “defesa da democracia” por meio de “resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Nada não, trata-se de uma divisão especial digna de filme policial misturado com ficção científica (ou jurídica mesmo) de baixa bilheteria, onde paira a colidência entre “combater a desinformação” e ao mesmo tempo “respeitar a opinião e a liberdade de expressão”. De acordo com a divulgação desse novo “tribunal”, a AGU terá como parâmetros os julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o combate às fake news. Avalio que dentro do STF, e demais órgãos legais do Poder Judiciário, faz parte a apreciação sobre o excercício constitucional liberdade de expressão e direito à opinião. Todavia, a partir do momento que gesta-se uma instância julgadora administrativa com contornos judiciais, nos deparamos como um verdadeiro “drible da vaca” ao sistema legal brasileiro.

Somemos também, que tanto a CF/88 como as demais leis infralegais já possuem mecanismos de controle e enfrentamento aos conteúdos dolosos e agressivos. Na bem da verdade, a chancela da “procuradoria da verdade” deriva para a interpretação de que o Poder Judiciário do País está vacilante e falido, o que discordo veementemente aqui já. A questão a se debruçar e debater é qual será o conceito de “verdade” ou “desinformação” que estará elencado na cartilha de regras da AGU.

Penso que, devemos sim trazer esse tema ao colóquio nacional sob pena de sermos condenados pela omissão ou mesmo pelo receio de se praticar a crítica ao governo, onde já estamos transitando da “cultura do cancelamento” para a “cultura do encarceramento” pelo uso do garantismo constitucional da liberdade de expressão. Deixo bastante cristalino aqui que, toda exacerbação ou início de ameaça ao sistema democrático deve ser combatido e repudiado em seu mais alto grau. No entanto,  é primordial a materialização do fato ou seu “forte indício” para a condução de uma investigação, julgamento e condenação, devendo também ser resguardado o direito ao contraditório e a ampla defesa ao investigado/acusado.

A criação dessa ferramenta de controle da informação pela AGU vem colocar rédeas na imprensa e no direito à opinião, onde medidas como suspensão de contas das redes sociais, bloqueios de contas bancárias e decretação de prisão sem o imprescindível respeito ao juízo natural, duplo grau de jurisdição e o devido processo legal, arrasta para o ralo o que é de mais sagrado em nossa Constituição Federal: a liberdade de locomoção, o respeito à propriedade privada e o direito de se comunicar de forma respeitosa e democrática.

Um governo que se investe da armadura de guerra para o conflito entre o “Bem x Mal”, tende a ficar cego com a sua parcialidade. O governo é de todos para todos, e mais ainda o respeito à nossa liberdade em seu sentido lato sensu já arraigada em nossa Constituição desde a redemocratização, isso há mais de 30 anos. A democracia é oxigenada diuturnamente por uma imprensa livre, imparcial e desprovida de qualquer sensação de coação.

Ultimamente o Brasil passou por um período muito conturbado, com desrespeito aos jornalistas, falas desastrosas de incentivo ao descumprimento de decisões judiciais e ataques aos órgãos do judiciário. Se a narrativa que surge é de união e governar para “todos”, concluo que dar seguimento com a “procuradoria da verdade” nos revelará o mascaramento do que foi proposto nas eleições. Tanto é verdade, que em nenhum momento essa mesma “procuradoria da verdade” que agora se impõe não fez parte da plataforma eleitoral do presidente Lula, ao menos não estava escrita de uma forma tão clara.

A República e a democracia já tem o lugar reservado para o “controle da desinformação” que é o Poder Judiciário. Além do que, como se dará o processo investigatório, julgamento e condenação pela AGU em seu “tribunal” da “procuradoria da verdade”? Isso não está descrito na Constituição Federal, tampouco em qualquer legislação especial. Se assim for um desejo desse atual governo, que coloque essa alteração para o crivo do Congresso Nacional, pois é o devido palco para inovações legislativas e criações de poderes alienígenas. Mas ainda assim, sob a observação e controle do STF que é o guardião da Constituição Federal e seus princípios.

Mais a mais, me traz outra preocupação quanto ao silêncio de instituições, como por exemplo a Ordem dos Advogados do Brasil que atuou tão arduamente no passado recente pela defesa do Estado Democrático de Direito. Assim sendo, não me parece saudável uma população silenciada ou uma imprensa “cautelosa” na medida de suas publicações.

A liberdade da comunicação é inegociável e irrenunciável numa democracia efetiva, cabendo ao governo não doutrinar o que deve ser “verdade” ou não. Ao Executivo cabe o seu dever constitucional de “executar”, ao Legislativo o seu papel constituição de “legislar” e ao Judiciário a sua missão única de “julgar”. Continuemos então, mantendo o nosso sagrado status quo do cultivo e prática da liberdade individual e coletiva de todos nós.

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