Bolsonaro se autoincriminou; Ou o dia em que o mito virou mico; Por César Bravo

COMPARTILHE A NOTÍCIA

Por mais que tente, há sempre um momento em que o farsante larga o script e revela o autor do crime. No tribunal, sem tortura, sem pressão, Jair Bolsonaro fez exatamente isso: confessou. E com gosto.

O olhar de Alexandre de Moraes para Paulo Gonet, congelado nas imagens do julgamento, resume o momento em que a encenação acabou. Entre o espanto e o que só pode ser descrito como uma admiração silenciosa, o ministro relator da tentativa de golpe testemunhava, em tempo real, aquilo que nenhum estrategista da acusação ousaria esperar: o réu confessando com todas as letras — e sem perceber.

Não foi uma escorregada, uma ambiguidade, uma frase fora de contexto. Foi uma resposta clara, direta, espontânea: “Sim, senhor” — respondeu Bolsonaro, quando indagado se cogitou, discutiu e iniciou, ainda durante a contestação do resultado eleitoral, mecanismos como estado de sítio e GLO. Ou seja, assumiu que tentou derrubar a eleição antes mesmo de perder completamente o poder.

O silêncio que diz tudo

Na sequência, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, tropeçou nas próprias palavras. Estava pronto para fazer aquela pergunta. Mas Bolsonaro se adiantou — e destruiu de uma vez a linha de defesa costurada com tanto zelo pelos advogados. Como perguntar o que já foi confessado? Como fingir que foi apenas um devaneio retórico, se o próprio autor admite que buscava o “clima” e a “base” para agir?

A partir dali, o que era tese virou prova. E o que era dúvida virou certeza processual.

A mecânica da autossabotagem

Em sua costumeira habilidade de transformar o absurdo em estratégia, Bolsonaro foi além. Disse, sem rodeios, que procurou os comandantes das Forças Armadas. Discutiu com eles. Deliberou sobre “soluções” constitucionais para a derrota eleitoral. Levou à mesa da República a conspiração — e arrastou consigo o então ministro da Defesa e o comandante da Marinha.

E ao narrar que não levou o plano adiante por ausência de apoio ou clima político, tornou ainda mais evidente: o golpe só não aconteceu por falta de condições, e não por ausência de vontade.

A intenção foi confessa. A execução começou. O fracasso foi contingência, não convicção democrática.

O último ato: sincericídio

Por fim, como se dissesse “me deixem falar minha verdade”, Bolsonaro retomou seu vocabulário de sempre. Disse que teve que “entubar” o resultado. O verbo, como se sabe, não comporta escolha. Quem entuba, entuba à força. O país viu, ao vivo e em cores, o réu gritar o que há anos se dizia com base em indícios: “Eu me acuso.”

Prova viva

Se antes havia dossiês, testemunhos, lives e reuniões conspiratórias. Agora há, também, o gesto mais raro e precioso em tribunais penais: a confissão espontânea do próprio acusado.

E o que antes era alegoria — como o “batom na cueca” — agora é símbolo jurídico de um crime confesso. Não mais no campo das suspeitas, mas da certeza. O golpe, afinal, não é uma tese conspiratória. É um plano mal executado, relatado em primeira pessoa.

No fim, o golpe falhou. Mas o roteiro ficou

E é esse roteiro — verbalizado diante dos ministros, do procurador, dos advogados e do país — que agora será usado para julgar. E talvez condenar. Não porque há vingança, mas porque houve crime. Não porque há narrativa, mas porque houve confissão.

COMPARTILHE A NOTÍCIA

PUBLICIDADE

Confira Também

Fortaleza lidera ranking global de cidades com melhor desempenho ambiental, segundo a Oxford Economics

Operação Teia de Aranha: o incrível ataque ucraniano com drones de US$ 600 que destruiu dezenas de bombardeiros russos de milhões

Do Axios: China, IA, nova ordem mundial e o risco de apagão geopolítico dos EUA

Aeroportos de Jeri e Canoa estão na lista de novo leilão do Governo Federal

Ciro 2026: O regresso que embaralha a ordem política no Ceará e mexe peça no xadrez nacional

Frente de centro-direita: André afaga Ciro e prega união para tirar o PT do poder

O escândalo do INSS implode o roteiro da “colheita” de Lula; A ordem é replantar

Em decisão exemplar, Justiça do Ceará manda fazendeiro reflorestar área desmatada

Seu João, o homem que transformou “orgulho de ser nordestino” em legado

Ceará volta os olhos para a China e vive a expectativa da negociação de R$ 50 bi em data center no Pecém

NYT revela os bastidores da eleição-relâmpago do novo papa

Fronteira em disputa: o Ceará quer de volta o que o RN chama de seu

MAIS LIDAS DO DIA

STJ mantém condenação de Nikolas Ferreira por transfobia contra Duda Salabert

Varejo de roupas. Foto: Freepik

Vendas no varejo recuam 0,4% em abril após três meses de alta, aponta IBGE

Movimentação nos portos brasileiros bate recorde em abril e no acumulado do ano, aponta Antaq

Tarifa Social de Energia terá isenção total para consumo de até 80 kWh a partir de julho; MP deve beneficiar 60 milhões de brasileiros

Ceará registra R$ 830 milhões em investimentos no 1º quadrimestre e mantém dívida líquida no menor patamar desde 2011

Quando a cultura encontra o ESG no Dia dos Namorados: o match que transforma o ambiente empresarial e a sociedade; Por Luisa Cela e Paulo Mota

Datafolha: escândalo do INSS trava recuperação de Lula e mantém reprovação superior à aprovação

Desalento no Planalto: reprovação a Lula atinge recorde e confiança desaba até entre seus eleitores

O casaco. Por Angela Barros Leal