
Como ganhar 1 bilhão de dólares da noite pro dia, difícil ensinar, mas como perder é fácil: basta retirar um senhor de 69 anos à força de um avião com overbooking; agride-se esse idoso, arrasta-o para fora da aeronave sob os gritos de outros passageiros, e a cena em diversos ângulos vai parar na internet.
Este caso é real e aconteceu em 2017 nos Estados Unidos, num voo da United. A cereja do bolo é que este senhor era médico e tinha que estar no outro dia bem cedo no hospital para atender pacientes. Ao contrário do avião, que acabou decolando sem o Dr. David Daw, no outro dia as ações da companhia despencaram, e a perda de valor de mercado chegou a 1 bilhão de dólares. Exatamente, dólares.
A ponta do iceberg pode ser a abordagem esdrúxula dos seguranças, que expulsaram de forma truculenta aquele senhor. Mas uma análise mais cuidadosa mostra que os problemas começaram bem antes e têm tudo a ver com marketing, coleta de dados e experiência do consumidor.
Não restam dúvidas de que o computador pode superar facilmente diversas competências nossas, algumas tidas inclusive como de grande importância, como o raciocínio lógico. Porém atribuir às máquinas algumas faculdades essencialmente humanas ainda é e será por muito tempo uma missão impossível até para o Tom Cruise.
Dentre essas faculdades cuja patente ainda nos pertence, destacam-se as quatro virtudes cardeais, ensinadas pelos gregos há milhares de anos e nas nossas escolas há algumas décadas. Relembrando: Fortaleza, Temperança, Justiça e a Sabedoria, a protagonista de hoje.
Para quem anda meio preocupado com o avanço da inteligência artificial ou imagina que um dia vai chegar para trabalhar no escritório e o ChatGPT vai estar sentado na sua poltrona, você acaba de ganhar um aliado de peso: São Tomás de Aquino.
Em um livro curtinho, “Onze Lições Sobre Virtudes”, São Tomás de Aquino analisa essas qualidades sob a ótica aristotélica e entende que nós, humanos, temos uma “aptidão natural” para receber essas virtudes. Porém, só virão – e aqui está o grande detalhe – por meio do hábito, do exercício, pois “só agindo em conformidade com a virtude é que a adquirimos”. Como uma máquina não possui o hábito, não há (num curto e médio prazo) como aperfeiçoar esse entendimento, concluo modestamente. Assim é também com a sabedoria.
O computador da companhia aérea foi plenamente capaz de cruzar os dados e “concluir”, com base em informações como tarifa e programa de fidelidade, que aquele passageiro deveria deixar a aeronave por ser “menos importante”.
Entretanto, uma decisão humana guiada pelo discernimento levaria em conta outros fatores e circunstâncias, entre os quais tratar-se de um senhor de idade que viajava para cuidar da saúde de outras pessoas.
Não tomar decisões, se esquivar ou mesmo evitar confrontar medidas evita riscos individuais e por isso é sempre mais confortável dentro das organizações. Muitas vezes, os funcionários não são nem encorajados para tanto. Ainda mais se for para teimar com um super computador num mundo cada vez mais tecnológico. “Tenho amor ao meu emprego”, alguns dirão.
Porém, no nosso exemplo, ao abrirem mão da prerrogativa de decidir conforme a razão humana, deixando aquela decisão no piloto automático, os funcionários da companhia causaram um dano muito maior à empresa.
É a sabedoria que impele a razão a agir conforme aquilo que foi forjado ao longo da vida para ser correto e justo. Não é um sistema binário, zero ou um. Há matizes e diversos tons de cores; é fruto de experiências que envolvem nossos cinco sentidos. É um manual de voo atualizado constantemente conforme aquilo que vivenciamos.
O marketing preditivo já é uma realidade. Fato. Lança séries com base em preferências do público pretendido. O algoritmo já direciona conteúdos voltados para interesses mapeados previamente. Os marketplaces recomendam produtos sob medida, baseados em experiências de compra anteriores. O nosso mundo está encolhendo.
Diante de tanta previsibilidade, vai ficando mais claro que caberá a nós, humanos, trazermos a esse mesmo mundo um pouco de dúvida e desordem. Uma desordem no sentido literal e bem diferente daquela provocada dentro da aeronave da United. A desordem da razão.
Três perguntas para mexer com o seu juízo:
1) Há esforços internos no desenvolvimento dessas virtudes, como forma de aperfeiçoamento dos chamados “soft skills”?
2) Sua equipe costuma tomar decisões “automatizadas”, sem levar em consideração contexto e circunstâncias diversas e particulares?
3) De que forma sua empresa busca personalizar a experiência do consumidor, entendendo necessidades específicas?