
Por Fábio Campos | Editor do Focus Poder
Ciro Gomes voltará ao partido que o projetou nacionalmente. Na manhã desta quarta-feira, em um hotel à beira-mar de Fortaleza, ele oficializa sua filiação ao PSDB — um gesto carregado de simbolismo político, memória histórica e cálculo racional.
O retorno é fruto da costura de Tasso Jereissati, o mesmo que, em 2010, rompeu duramente com os Ferreira Gomes após o grupo apoiar José Pimentel e Eunício Oliveira, adversários diretos do então senador tucano. Passaram-se anos de silêncio e de distanciamento político. Agora, Tasso e Ciro voltam a dividir o mesmo espaço partidário, num reencontro que une passado e necessidade.
O reencontro de duas trajetórias
Do ponto de vista da ciência política, o que ocorre é um movimento clássico de reacomodação de elites. Tasso e Ciro representam um tipo de liderança que moldou o Ceará moderno — tecnocrática, reformista e com linguagem desenvolvimentista —, mas que viu o seu ciclo perder espaço para o pragmatismo lulista e o domínio da máquina petista.
Reunidos novamente, buscam não apenas reconstruir pontes, mas também oferecer uma alternativa simbólica à hegemonia da esquerda cearense. O PSDB, que ainda guarda algum prestígio institucional e redes de influência sofríveis, oferece a Ciro o que ele mais precisa neste momento: uma boa narrativa e visibilidade.
Mas é improvável que Ciro se apresente de imediato como candidato ao governo. O novo tucano mantém um olho no Ceará e o outro no tabuleiro nacional. O espaço da oposição a Lula está fragmentado, e o nome de Ciro, mesmo desgastado, ainda carrega densidade política e retórica suficiente para tensionar o debate público.
A lógica da aliança com a direita e com… o bolsonarismo
No entanto, há um componente novo nessa equação: a base bolsonarista que sustenta parte da oposição no estado. A união entre Tasso e Ciro se apoia, pragmaticamente, nesse campo — do mais radical ao mais institucional. Ambos sabem que a política cearense sempre foi governada por quem vence, não por quem sonha. Se o projeto prosperar, os conservadores aceitarão seu quinhão de poder.
Esse rearranjo revela o que a teoria dos sistemas partidários já descreveu há décadas: em ambientes de baixa fidelidade ideológica e forte personalismo, as alianças se moldam à sobrevivência, não à coerência. O Ceará, historicamente, é exemplo disso desde os tempos da Primeira República.
O tempo e o peso da simbologia
Há, contudo, uma ironia temporal. Duas novas gerações já cresceram sem convivência direta com o “dueto” Tasso e Ciro. Muitos jovens cearenses conhecem mais o discurso digital dos influenciadores de direita do que a retórica reformista dos anos 1990.
Essa distância geracional explica a necessidade de aproximação com novos públicos — as periferias, os empreendedores individuais, os eleitores que se enxergam como MEIs e não como trabalhadores sindicalizados. É a tradução contemporânea de um projeto liberal em trajes populares.
A política como reconfiguração permanente
A volta de Ciro ao PSDB é mais do que um retorno partidário. É a tentativa de reconstituir uma gramática política que o tempo quase apagou. E é também um teste de adaptação: se o velho discurso da racionalidade administrativa e do reformismo ilustrado ainda tem eco em um eleitorado hoje movido por afetos, narrativas curtas e identidades fluidas.
Tasso e Ciro sabem que não comandam mais o Ceará, mas entendem como poucos o valor simbólico do poder. No fim, o que está em jogo não é apenas a próxima eleição — é a disputa por relevância em um tempo que já não reverencia a tradição, mas ainda respeita quem ousa se reinventar.
Em síntese:
A política, como dizia Norberto Bobbio, é “o reino do possível dentro do limite do real”. E o real, neste caso, é que o reencontro entre Tasso e Ciro une experiência, memória e pragmatismo. Se dará certo, só o eleitor cearense dirá. Mas que o tabuleiro se moveu — e com peças pesadas —, disso ninguém duvida.