– Parece que ele voltou a respirar.
Ao ouvir aquilo, abri os olhos, vislumbrei à minha volta várias pessoas de jaleco e avental branco e disse:
– Eu? Estou respirando, sim.
Dei-me conta de que médicos e enfermeiras se aglomeravam em torno de uma maca em que eu estava deitado. Soube depois que acabara de ser ressuscitado por meio de um choque elétrico no peito esquerdo.
Logo uma enfermeira começou a cortar minha calça, que estava encharcada de urina, enquanto outra tirava minha camisa e me vestia com uma daquelas batas de hospital. Senti a maca sendo empurrada às pressas para outro ambiente. No trajeto, perdia e recobrava parcialmente a consciência.
Ao chegar a uma sala cheia de equipamentos eletrônicos, concentrei a atenção em dois grandes monitores e em um médico com trajes cirúrgicos, que me disse que faria um cateterismo para verificar a situação do meu coração. Sentia uma dor no peito esquerdo que ia e voltava, variando conforme meu estado de consciência, que oscilava entre momentos de clareza e de obscuridade.
Conseguia ver lampejos de imagens de vasos sanguíneos em um dos monitores, mas os perdia em seguida, enquanto vozes vinham e sumiam. De repente, um clarão. Tudo mudou. A dor desapareceu e a consciência voltou em sua plenitude, ao tempo em que ouvi o médico que liderava o procedimento dizer:
– Pronto, o stent está colocado e funciona bem.
Tudo começara por volta das doze horas daquele dia 6 de fevereiro de 2004, quando, ao me deitar depois do almoço, como faço habitualmente, comecei a sentir uma dor no peito esquerdo, que foi aumentando gradativamente. Passados alguns minutos, senti a dor irradiando-se para o braço esquerdo e notei que estava suando frio. Naquele momento, ficou claro o que eu aprendera na cadeira de Clínica Médica: estava com sintomas e sinais típicos de um infarto do miocárdio.
Ato contínuo, chamei Isabel, minha então esposa, e informei-lhe sobre minha suspeita, pedindo que me levasse ao Prontocárdio. Chegando lá, nos dirigimos ao setor de emergência e, em poucos minutos, fomos atendidos por uma médica jovem, a quem disse ser médico e acreditar que estava infartando.
Ela não concordou de imediato com minha opinião e tentou convencer-me de que precisava explorar outras hipóteses. Para isso, solicitou alguns exames. Pediu um eletrocardiograma, mandou recolher amostras de sangue e disse que aguardássemos mais algum tempo até que houvesse clareza diagnóstica.
Na espera, a dor no peito aumentou, e tive a sensação de que meus pés e mãos esfriavam. Notei que meus braços e pernas começavam a se mover involuntariamente. Quando falei para Isabel que achava estar entrando em convulsão, ela saiu correndo, gritando por socorro. Foi como se, de repente, tivesse sido acionado o interruptor de uma lâmpada: tive um apagão. Perdi completamente a consciência.
O que ocorreu a partir daí me foi contado pelos plantonistas: após uma parada cardiorrespiratória de dois minutos e quarenta segundos, configurando uma morte clínica, eu havia sido ressuscitado por meio de um desfibrilador. Depois, foi feito um cateterismo, diagnosticando-se uma oclusão completa de uma importante artéria coronária. Em seguida, realizou-se uma angioplastia, desobstruindo essa artéria e implantando-se um stent, que restabeleceu o fluxo normal de sangue.
Para os médicos e enfermeiras que me atenderam, a duração da morte clínica foi de 2 minutos e 40 segundos. Para mim, porém, foi uma eternidade, pois eu não tinha qualquer percepção de tempo. Na minha realidade, nesse período, não havia sensações, percepções, emoções, lembranças ou pensamentos. Era o nada!
Algumas pessoas que passaram por experiências semelhantes — chamadas, no jargão popular, de experiências de quase morte — relatam, após a ressuscitação, que viram luzes, pessoas falecidas, ouviram vozes, tiveram a sensação de sair do corpo, de voar, entre outros fenômenos sensoriais. Comigo não foi assim. Nada vi, ouvi, senti, lembrei ou pensei.
Analisando aquele período, parece-me equivalente ao que antecede nosso nascimento, quando já existiam componentes (átomos e moléculas) do que viríamos a ser, mas ainda não a consciência desta existência. Após a parada cardiorrespiratória, átomos e moléculas continuam a existir, mas não mais a consciência da existência. Para mim, o antes do nascer e o depois do morrer igualam-se na ausência de consciência do existir.
Um amigo muito próximo, que não é médico, argumentou que não experienciei mais coisas porque minha parada durou pouco. Isso não procede. Se eu não tivesse sido ressuscitado em até quatro minutos após a parada, teria passado da morte clínica à morte encefálica — esta, sim, irreversível. Mas essa progressão não acrescentaria nada em termos sensoriais. Com a carência de oxigênio, meu cérebro já não tinha mais condições de captar e processar estímulos. Assim, caso tivesse chegado à morte encefálica, nada saberia. Nunca saberia que morri.
A experiência de morte clínica provocou em mim muitas mudanças e reflexões sobre o viver e o morrer. Constatei o quanto nós, ocidentais, somos mal preparados, cultural e educacionalmente, para lidar com a morte. Assediados por diversos tabus, somos levados a considerá-la sempre como tormento apavorante. E as mortes não são todas iguais.
Trata-se de um acontecimento com inúmeras formas. Os tipos de morte dependem muito das causas e das circunstâncias em que ocorrem, não cabendo reduzi-los a um único modelo. Por outro lado, não se podem normalizar as mortes causadas por fatores externos evitáveis. Quanto à morte natural, que é parte da vida, devemos nos preparar o melhor possível para enfrentá-la com realismo e serenidade.
É claro que há mortes naturais associadas a grandes sofrimentos. Mas há muito tempo existem recursos para atenuá-los, e esses precisam estar disponíveis a todos. Por exemplo: há 45 anos, a missão principal do setor de pacientes terminais com câncer no Hospital das Clínicas da Universidade de Colônia, onde atuei como interno, já era a eliminação da dor e de outros desconfortos.
Hoje, o Brasil já conta com uma medicina paliativa de excelente qualidade, que oferece meios para que pacientes e familiares lidem adequadamente com a morte, aliviando sofrimentos, respeitando crenças e desejos, e contribuindo para um fim de vida suave e digno. Ainda assim, precisamos transformar nossa cultura sobre a morte e o morrer, adotando medidas educacionais que promovam sua aceitação com a máxima sobriedade possível.
No que me diz respeito, após a experiência de morte clínica, passei a valorizar ainda mais a vida. Cuido melhor das minhas relações e ocupações, priorizando as mais significativas; uso com mais critério o tempo que me resta; tomo medidas para organizar adequadamente o pouco que deixarei e procuro preparar-me o melhor possível para lidar, de forma realista, com a morte.
Tornei claro para meus familiares que não aceito tratamentos ineficazes de prolongamento artificial da vida, nem cerimônias fúnebres que usem minha ausência como indutoras de tristeza e ilusão. Expressei também o desejo de ser cremado, com parte das cinzas lançada ao mar da Praia de Iracema — onde vivi muitos bons momentos — e outra parte no Rio Poty, em Crateús, onde nasci. Tudo isso em clima descontraído, ao som de canções da minha amada MPB.
Maranguape, fevereiro de 2025
João de Paula é articulista do Focus Poder e escreve às segundas-feiras.
