
“A Teologia é a gramática do Espirito Santo”, Martinho Lutero
Dizia o filólogo da familia, o primeiro dos Elpídios, e o mais critico da estirpe valorosa de Porteiras, que o “povo faz a lingua”. “Em termos”, contestaria o neto. Afinal, no vernáculo, como nas leis do Estado, quem faz a regra não é o povo, mas os que pretendem representá-lo.
Senadores, juizes e jornalistas, não necessariamente nesta ordem, fazem as leis, os códigos, as taxas, os emolumentos e as posturas, condenam, absolvem e multam. Já os gramáticos, os escritores, os artistas de todo gênero — fixam regras em nome dos habitantes de um determinado país — ou criam um estilo que os distinga para alcançar legitimidade…
No caso da língua falada e escrita, são estes xamãs que instituem e regulam a forma como as pessoas devem comunicar-se. Não é o povo. Esta abstração politica — povo — não emplaca uma dentro, sem a cumplicidade dos que o representam no Parlamento, na Cúria, na Universidade, nos demais sodalicios e nos sindicatos, na qual as criaturas se recolhem em um processo de beatitude e mútua proteção.
A gramática e a dicionarização são instrumentos poderosos — menos para enriquecer. Paradoxalmente, ricos e pobres não estão nem aí para esses canais autoritários dedicados ao disciplinamento do uso do vernáculo. Falam como querem e dizem o que lhe assoma à cabeça, com os prejulgados de ocasião.
Já escritores, artistas e jornalistas dividem-se entre os que seguem a regra culta e os que criam um estilo próprio. São uma espécie de contraventores da lei e da ordem do léxico. A exemplo de outros fora da lei e da gramática recebem a indulgência dos que poderiam castigá-los.
Muitos dos escritores, artistas e jornalistas, “performers” e “influencers” autonomeados, ganham notoriedade em um mundo à parte — o paraíso dos “intelectuais” e da mídia e recebem salvo-conduto para exprimirem o que pensam com as garantias que o “povão”, como nós, lhes dá com a sua boa-fé ou ignorância o que dá no mesmo.
A “transcrição” da realidade em informação e “noticia” e a “fabricação” da “opinião” são uma espécie de artesania estético-cirúrgica de efeito. Em casos como estes, são de reconhecida valia certos controles que alguns implicantes chamam de “censura”. Sinal dis tempos, os rigores da censura são quase sempre aplicados à realidade presumível e não ao seu registro textual…
É aí que transparece a relação abismal entre “emissor” e “receptor” da mensagem. MacLuhan [“a mensagem é o meio”] ocupou-se a seu tempo destes contraditórios. O que é “dito” e o que é “entendido”. Ou o que é dito como indução para que o “receptor” possa “construir” a sua percepção e modelar a sua “opinião”…
Os sinais e os simbolos são sinais marcantes de uma linguagem afirmativa, adorada pelas industrias da fé e pelas ideologias. Mas isso é outra conversa. Fica para depois.
