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Em um piscar de olhos. Por Angela Barros Leal

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Enquanto aguardo o atendimento para cortar o cabelo,acompanho o processo de mutação no rosto de uma jovemcliente. O sol da tarde massacra quem caminha na calçada diante do salão de beleza. O reflexo luminoso dos veículos que passam lança quadriláteros trêmulos sobre as paredes. As folhas das árvores brincam de estátua. Do lado de dentro, o ar condicionado zumbe, enfurecido pelo excesso de trabalho.

É bem jovem, a moça que se prepara para mudar o rosto. Não vejo marcas na testa dela, nem abaixo dos olhos. Nada que justifique a mudança que deseja. Prepara-se para um baile noturno, como escuto distraída, folheando uma revista sobrevivente do tsunami digital que praticamente destruiu o mercado impresso.

A pessoa designada para cortar meu cabelo encontra-se ocupada em outro corte, envolvida em camadas e mais camadas de vaidade alheia. Por puro tédio, acompanho o processo de transformação da jovem. O maquiador é didático. À medida que avança na máscara que pretende desenhar no rosto dela, ocupa-se em narrar o passo a passodo trabalho que executa.

Primeiro o “práimer”, ele ensina, mostrando o tubo rosado onde está impresso primer. A linguagem da beleza, por décadas expressa no refinamento do francês, cedeu à universalidade do inglês. O propósito do práimer, como afirma o maquiador, é hidratar e nivelar as saliências e reentrâncias na pele da face.

É como se o nosso rosto fosse um muro de tijolos, eu imagino, lendo na revista uma propaganda de roupas, a essa altura fora de moda. O práimer seria o emassamento do muro.

Não vejo na jovem nada que precise ser emassado. Não há nada que se pareça com rugas de expressão. Está ausente o pisar dos pés de galinha em volta dos olhos. Nada existe que antecipe os futuros parênteses que unirão as laterais do nariz aos cantos da boca, muito menos o vergonhoso franzido pregueando os lábios, apelidado pela malta impiedosa de “código de barras”.  

Espalhado o práimer, é hora de aplicar a base, o que ele faz em pancadinhas ritmadas, utilizando um triângulo de esponja, encobrindo todo o rosto com uma tonalidade única, harmoniosa. Consigo perceber o que ele pretende alcançar. De olhos fechados, cabeça recostada em umapoio na cadeira reclinada, têm-se o aspecto de uma tela em branco, uma máscara kabuki na qual vão ser executados os traços de uma pintura de guerra.

Com um bastão alguns tons mais escuros, o maquiador traça riscos fortes nas laterais do rosto da moça. Vai esfumá-los aos poucos com um pincel, até que não se perceba mais a fronteira entre o que é a base, o que é contorno.

A moça parece que adormeceu, o que não me espantaria. Deve sentir asas de borboleta roçando suas faces. Suspensa entre o toque real e o sonho, aguarda o instante de renascer ainda mais bela.

As sobrancelhas são traçadas com extremo cuidado, ganhando volume e arqueando-se em ângulos provocantes. A moça abre os olhos devagar, pois é chegada a hora de dar atenção a eles. Ela me encara pelo espelho e sei que não me vê. Não há espaço para mais nada, além do aflorar de sua beleza.

Lápis escuros alongam os olhos, sombreiam as pálpebras, contornam o olhar. E os cílios – ah, os cílios! – são aplicados com a devida atenção, fio a fio, astros que se tornaram da composição de uma face. Os cílios, que deixaram para traz o tempo em que se chamavam simplesmente pestanas, entreabrem-se como cortinas, alongam-se rumo ao infinito, desdobram suas extremidades para o alto no movimento estático de onda.

A moça ensaia o olhar frente ao espelho. O peso dos cílios espessos parece sombrear o rosto dela, impondo uma lentidão na mobilidade, um slow motion calculado. Não mais se assemelha à jovem que era. Convertera-se em uma mulher fatal, mais ainda após o preenchimento dos lábios, obtido pelo batom escuro.

Um coro de elogios se eleva entre profissionais e clientes. A moça sorri, olhos fixos no espelho, apaixonada por si mesma. Sabe-se merecedora dos aplausos, ressaltada ao auge sua jovem beleza.

A cabelereira se desocupa e convoca minha presença para o corte. Enquanto ela decepa mechas do meu cabelo, me pego pensando por qual razão aquela menina, dona de beleza natural, decidira esconder o rosto sob uma máscara de pigmentos químicos, de suspeita origem. E, principalmente, por que aquela paixão pelos cílios agressivos, hostis a qualquer carinho, cílios aparentemente dotados de vida própria, fenômeno que, em um piscar de olhos, achou de alastrar-se ultimamente entre gregas e troianas. Tão mais românticas, as antigas pestanas…

 

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