A onda vermelha de “limpeza ideológica”, em curso na UFC, deixou-me, de início, incrédulo. Surpreso, por consequência e indignado, por fim.
Fui percebendo o alcance das medidas seguidas, fortalecidas pelas “performances” públicas de gosto duvidoso e pela concessão de homenagens a personagens cujos méritos não pretendo avaliar.
Amigos próximos pronunciaram-se entre indignados e surpresos; a família de Martins Filho, sob o peso de uma confessada perplexidade, manteve-se, constrangida — e calada. Filhos e netos decidiram por bem calar-se em respeito pela figura do pai e avô e pela sua obra que resistirá certamente a ataques como este que agora ganha o prestígio de uma decisão “legal”*.
Alguns textos e postagens, de espontânea iniciativa, foram, entretanto, divulgados pelas redes sociais, registrado o silêncio conveniente da mídia tradicional.
O silêncio mantido sobre a retirada do nome de Martins Filho da Concha Acústica — que, com o prédio da reitoria, compõe o símbolo mais expressivo da primeira universidade do Ceará —, revela a surpresa e uma educada indignação que precisaria ser adequadamente verbalizada.
Não me parece devêssemos — amigos e admiradores da obra de MF — aceitar a encenação retórica de uma querela pública com a reitoria da UFC sobre uma decisão injusta e infeliz, adotada pela militância atuante, dominada por um reformismo ideológico que espanta e revolta.
Considerei, entretanto, a possibilidade da interposição de um recurso judicial. Não que creia na possibilidade de produção de decisão nova, neste plano, para a revisão de uma decisão administrativa despropositada.
A Justiça assumiu, nestes últimos tempos, deliberadamente, os riscos da politização inconsequente das questões de mérito, ao sabor das circunstâncias e do seu entendimento.
A motivação da agressão perpetrada contra a memória dos que fizeram e fazem a UFC, despontará, entretanto, como afirmação acusatória, seja qual for a decisão adotada, neste caso. Não haveria perda ou ganho, nesta peleja constrangedora, porém a revelação pública de uma decisão acomodada e conveniente.
Não me parece, devo confessar, que a decisão final adotada, nas instâncias judiciais por onde a demanda vier a percorrer, possa tornar-se essencial ao encaminhamento processual do caso. Vale mais, nessas circunstâncias, a oportunidade para a manifestação das razões contrapostas a uma decisão absurda e despropositada e o seu compartilhamento público com a sua divulgação.
A iniciativa, cujas consequências avalio com a prestimosidade e a competência de amigos juristas, não haveria de materializar-se em um documento nascido na família de Martins Filho, inevitavelmente inspirado por motivos de manifesta e justificada afetividade. Mas poderia traduzir os questionamentos pertinentes, quanto a mim, ex-reitor, cujo papel desempenhado por toda a vida nas lides universitárias, a minha vida pública e o meu magistério autorizam-me e obrigam-se a desempenhar.
A tentativa ingênua de reduzir esse ato de expropriação da memória coletiva ao apagar banal de uma placa, com a intenção de preencher vazio legal, desconhece intencionalmente tradição firmada, consubstanciada em uma manifestação nascida da vontade dos estudantes, e respeitada por mais de 65 anos, na celebração pública dos cearenses pela sua Alma Mater.
Não consigo, confesso de público, calar-me, em face destes fatos deploráveis de desrespeito à memória e à história da nossa Universidade.
Vivemos, no Brasil, um momento grave para as nossas liberdades. Precisamos encontrar explicações convincentes para o que está dissimulado pelas decisões aparentemente inócuas dos que nos governam.
Ao garoto Bergson Gurjão Farias, morto tão jovem e tão cedo, aplicam-se os versos de Gonçalves Dias, “a vida é combate que os fortes, os bravos só faz exaltar”.
Não lhe careciam as homenagens de um placa no lugar de outra, retirada por “decurso de prazo”.
*O artigo foi produzido antes da decisão que vai rever o novo batismo da Concha Acústica.