
O pedido de exame de gravidez no ato da demissão ainda divide opiniões. Parte entende ser prática discriminatória; outra parcela enxerga como mecanismo de proteção aos direitos fundamentais da gestante e do nascituro.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) assegura a estabilidade provisória da gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, II, b, do ADCT). O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 244, consolidou que o desconhecimento da gravidez pelo empregador não afasta o direito à estabilidade, nem mesmo em contratos por prazo determinado. Já o Tema 134 do TST reforça a tese de que a garantia é objetiva e independe da ciência da empresa.
O artigo 2º da Lei 9.029/1995 proíbe a exigência de atestados de gravidez para efeitos admissionais ou de permanência no emprego. Desde setembro de 2016, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 6074/2016, a fim de permitir a exigência de teste ou exame de gravidez por ocasião da demissão, de forma a garantir o exercício do direito à estabilidade de emprego à gestante.
Nessa perspectiva, o exame de gravidez no desligamento não se apresenta como prática discriminatória, mas como uma medida de resguardo. Ele impede que uma trabalhadora gestante seja demitida sem que seus direitos constitucionais de proteção à maternidade sejam respeitados. Além disso, previne litígios futuros, trazendo segurança jurídica a empregada e empregador.
Os dados demonstram a relevância desse debate. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua/IBGE, 2023), cerca de 50% das mulheres com filhos de até um ano estão fora do mercado de trabalho. Relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em parceria com a ONU Mulheres (2022) apontou que a maternidade é um dos fatores mais determinantes para a saída das mulheres da força de trabalho, com taxas significativas de desligamentos no primeiro ano de vida da criança.
Essas estatísticas revelam que a proteção legal ainda não se traduz integralmente em manutenção do emprego após a maternidade. Nesse cenário, o exame de gravidez no ato da demissão pode ser interpretado como instrumento de efetividade da norma constitucional, evitando que a estabilidade seja violada por desconhecimento ou omissão.
O próprio TST já se manifestou no sentido de que a exigência do exame, por si só, não configura discriminação. Diferentemente do exame exigido no ato da admissão, onde a finalidade poderia ser a exclusão de mulheres em idade fértil do mercado de trabalho, no desligamento o objetivo é resguardar direitos constitucionais de proteção à maternidade.
No julgamento realizado pela Terceira Turma do TST, no julgamento do recurso de revista da empregada, o voto do ministro Agra Belmonte, que afastou a caracterização de ato discriminatório ou violador da intimidade. “A conduta visa dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho e acaba representando elemento a favor da trabalhadora”, afirmou. “Caso ela esteja grávida – circunstância muitas vezes que ela própria desconhece – o empregador, ciente do direito à estabilidade, poderá mantê-la no emprego sem que ela necessite recorrer ao Judiciário”.
Em reforço à tese vencedora, o ministro Alberto Bresciani acentuou que a medida ao mesmo tempo resguarda a responsabilidade do empregador e representa uma defesa para a trabalhadora. No entender do ministro, a conduta se adequa ao sistema jurídico. “A decorrência legal é a proteção do trabalho e da empregada, que tem a garantia de que a empresa sabia de sua gravidez”, concluiu.
Portanto, a discussão deve ser conduzida sem preconceitos. O exame de gravidez na demissão, quando tratado com sigilo, respeito e finalidade legítima, pode ser compreendido como uma ferramenta de efetivação dos direitos fundamentais da gestante, em consonância com a jurisprudência consolidada do TST.
Mais do que uma obrigação formal, trata-se de uma medida de justiça social: proteger a vida em formação e assegurar que a maternidade não seja fonte de insegurança jurídica, mas de dignidade e cidadania no mundo do trabalho.
Érica Martins
Advogada, Mestranda em Direito Constitucional pela Unifor, Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Centro Universitário Estácio do Ceará, Professora Universitária, Conselheira Estadual da OAB-CE e Diretora Adjunta de Políticas Educacionais para mulheres da Escola Superior da Advocacia no Ceará (ESA-CE)