Lula chegou a Brasília para um terceiro mandato em meio a uma polarização extrema. Não digo “extrema” como recurso adjetivo, fácil e redundante, nem me refiro somente à diferença decimal que garantiu sua vitória.
Era extrema a polarização também porque, nos dois blocos de eleitores, as margens de rejeição consolidada aos candidatos eram largas: qualquer que fosse o vencedor, estava claro que governaria um país dividido entre uma “esperança desconfiada” e um forte sentimento de má vontade porque havia ainda, no espectro de eleitores a conquistar, uma faixa ampla que votaria em um apenas para evitar a eleição do outro.
Tal estado de coisas só poderia ser amenizado – nem digo superado – por efeito de uma gestão, de qualquer dos oponentes, com entregas de grande impacto na vida material das pessoas. Isto é, não algo que fosse exibido apenas nas ruas, mas pudesse entrar em suas casas – desafiador para um país que acabara de atravessar a acumulação nefasta de uma crise recessiva seguida de uma epidemia que simplesmente esvaziou as ruas.
Agora, a meio caminho do mandato, se vê: Lula não fez o suficiente para degelar a resistência dos conservadores de diversos matizes à sua figura. Por outro lado, ficou devendo aos seus simpatizantes o endereço do mercadinho que iria vender aquela cerveja com picanha por um precinho no jeito. A grosso modo, é isso.
Lá fora, é verdade, a vida também não está fácil pra (quase) ninguém: a onda inflacionária é global e ninguém arrisca ainda um vaticínio definitivo sobre os efeitos de médio prazo do tsunami tarifário anti liberal de Trump. Mas o Brasil tem mindset insular e nossa sociedade em geral não percebe muito bem as implicações de nossas conexões com o mundo.
Portanto, não temos somente um desarranjo nos preços dos produtos de consumo básico a influir na avaliação que os brasileiros fazem do governo eleito por uma maioria aritmética. Há, também, a predisposição ruim de uma grande parcela da população que estava apenas esperando um tropeço de Lula (ou de Bolsonaro, caso eleito) para voltar ao grupo de whatsapp da família só para provocar: “Eu não disse?”.
Lula não faz o governo que dele esperavam seus eleitores, mas faz um “bom governo regular”: o país cresce com resultados expressivos na oferta de empregos e restaurou-se a normalidade política prometida, apesar da travessia do inferno que significa negociar com um congresso tão desqualificado.
No entanto, persiste na sociedade um maior incômodo com dilemas crônicos de um modelo institucional que não demove – ao contrário, reforça em sua carência de representatividade efetiva – problemas graves com os quais as pessoas já não suportam conviver.
E tudo isso já estava lá, em estado seminal, nas manifestações de rua que, no longínquo 2013, pediam nas ruas Saúde, Segurança e Educação “com padrão FIFA”, em referência irônica ao ufanismo que cercava a realização de uma Copa do Mundo do 7×0 que o país tenta esquecer.
Em resumo, o Brasil fechou a cara. E os terraplanistas da polaridade simplesmente não têm a menor ideia do que fazer. Enquanto isso, uma maioria silenciosa só observa…
