Assim como não creio em bruxas, não acredito no acaso, mas que ele existe, existe. Se num dia assisto a uma entrevista no Programa do Bial com a Joelma, a mais completa tradução da energia paraense, depois de comer um Pirarucu na Casaca, e no outro encontro no treino o estilista Lino Villaventura, o mais cearense dos paraenses, é porque algum espírito da floresta amazônica quer que falemos sobre a força da cultura desse povo que mistura muitas raças e ritmos.
Foi comendo um açaí — desses com toque cult bacaninha das lanchonetes de academia — que vi a notícia: um juiz proibira a realização de uma festa popular. E me veio a pergunta que não se cala: até quando festas, carnavais e afins serão vistos pelas lentes do moralismo, e não como o que são de fato — atividades econômicas poderosas, geradoras de milhões de empregos em todo o mundo?
Lino e Joelma não são apenas talentos artísticos. Eles são dois belos exemplos de sucesso da economia criativa. Lino trouxe para o mundo da moda, muitas vezes considerada “fútil” pelos moralistas, toda a riqueza visual e simbólica do Pará e do Ceará. O resultado? Uma obra potente, genuína e cosmopolita, que percorreu passarelas internacionais e hoje é celebrada na exposição “Lino Villaventura: 50 anos de moda”, em cartaz no Museu da Fotografia Fortaleza (MFF) até outubro de 2025.
Já Joelma, com seu visual futurista e performances explosivas, leva para os palcos o caldeirão rítmico do Pará: carimbó, soca, calypso, tecnomelody, sons ancestrais indígenas e batidas caribenhas. Sua música “Voando pro Pará”, sucesso viral com milhões de streams, cita o tacacá, a pupunha e o açaí — e foi responsável por um fenômeno curioso: o chamado “Efeito Joelma”, que impulsionou a busca nacional por iguarias paraenses e consolidou Belém no mapa gastronômico.
A comida no Pará é mais que sustento: é patrimônio. Tucupi, jambu, maniçoba, pirarucu, açaí puro — são ingredientes de uma culinária ancestral e inventiva, agora reinterpretada por chefs premiados e valorizada internacionalmente. Restaurantes em Belém, São Paulo e Lisboa mostram que a cozinha amazônica é também um ativo econômico, que envolve desde o pescador ribeirinho até o produtor rural, passando por feiras, cozinhas, guias turísticos, designers e influenciadores digitais.
Se ainda há quem duvide da força econômica da cultura, os números esclarecem: de acordo com o Painel de Dados da Fundação Itaú Cultural, a economia criativa gerou 287 mil empregos formais entre 2022 e 2023, atingindo 7,7 milhões de trabalhadores — o maior patamar da série histórica. A renda média do setor é superior à nacional, e o impacto no PIB gira em torno de 3%.
Enquanto festas populares seguem sendo proibidas em nome da “moralidade pública”, é urgente atualizar o olhar: cultura não é desvio de conduta. É motor de desenvolvimento, inclusão e geração de renda. Lino e Joelma são ícones não apenas por seu talento, mas porque, como tantos outros artistas e empreendedores culturais, convertem identidade em valor, raízes em emprego, tradição em inovação.
Que os espíritos das florestas e do sertão continuem nos sussurrando — ou gritando — que a cultura é uma riqueza que o Brasil precisa proteger e cultivar, não apenas como memória, mas como estratégia de futuro.
