Por Camilla Goes
Post convidado
No primeiro trimestre de 2025, as operadoras de planos de saúde registraram um lucro operacional de R$ 4,5 bilhões — um resultado que supera todo o ano de 2024. Ao invés de celebração generalizada, o que se vê no setor é um aumento da pressão por reajustes e reequilíbrio, especialmente por parte de hospitais, clínicas, distribuidores de medicamentos e empresas contratantes.
Essa assimetria escancara a fragilidade da atual arquitetura contratual do setor. Enquanto operadoras recuperam margens históricas após anos de prejuízos, os prestadores seguem submetidos a práticas questionáveis, como glosas sistemáticas, retenção de faturas, postergação de reajustes e ausência de recomposição inflacionária. São condutas que, quando feitas de forma recorrente, podem ser enquadradas como violadoras da boa-fé objetiva contratual (art. 422 do Código Civil), desequilibrando a prestação e colocando em xeque a própria continuidade da assistência.
O setor hospitalar, por exemplo, aguardou em média 70 dias para receber os valores devidos em 2024. A retenção de R$ 5,8 bilhões em pagamentos a hospitais da Anahp, sob a justificativa de glosas, deixa de ser um mecanismo de controle legítimo e passa a configurar abuso de direito e enriquecimento sem causa, especialmente quando a contraprestação já foi executada.
Na esfera regulatória, chama atenção a ausência de respostas firmes da ANS diante desse cenário. A judicialização, que já representa mais de R$ 3,9 bilhões em despesas para as operadoras, não decorre de excesso de pedidos indevidos, como querem crer algumas entidades, mas do descumprimento sistemático de obrigações contratuais e legais. Trata-se de uma conduta que fere a dignidade da justiça e pode configurar litigância de má-fé, nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil, especialmente quando caracterizada por resistência injustificada ao cumprimento de decisões judiciais.
A tese de que os reajustes de 25% aplicados entre 2021 e 2023 foram necessários para recompor perdas também precisa ser rediscutida. Se o lucro voltou ao patamar anterior — e até superior —, o não repasse dessa melhora aos prestadores e contratantes caracteriza desequilíbrio econômico-financeiro, exigindo medidas corretivas. É fundamental lembrar que os contratos de prestação de serviços são regidos pela cláusula rebus sic stantibus, ou seja, devem ser revistos quando há alteração substancial das condições originais.
Diante disso, é preciso abandonar a lógica perversa de que, para que as operadoras ganhem, os hospitais, clínicas e demais prestadores precisam perder. A cadeia da saúde só será sustentável quando houver equilíbrio contratual, segurança jurídica e remuneração proporcional à responsabilidade de cada elo.
Os números das operadoras não devem apenas ser celebrados pelos acionistas. Devem servir como ponto de partida para uma reconfiguração estrutural da saúde suplementar no Brasil — mais justa, mais transparente e mais colaborativa.
