A cada visita minha a Nova Iorque , lamentava não ter feito com antecedência reserva no hotel Algonquin.
Pedro Henrique dizia-me que Manhattan, sem o Algonquin, era um vazio impreenchível. Daquela vez, não faltaria ao encontro tantas vezes adiado. Pedi a Ana Carla que fizesse uma reserva, pois viajaria diretamente para o hotel famoso da 44 Street, não importasse o quanto valesse a diária em dólares correntes. Ir à Nova Iorque e ignorar as honras de uma hospedagem de alta reputação intelectual era um absurdo. Uma perda de tempo.
La chegamos e lá ficamos, Zuleide, Martinha e eu por quase uma semana. Explico-me e justifico-me, que tenho as minhas razões.
As meninas partiram para endereços nobres. As compras são uma atração incontornável na Island de tantos atrativos. Dei-me às livrarias. Fiz ponto na Rizzoli, no Book Club Bar, na Barnes & Noble e adjacências. Sempre atento às horas que o “happy hour” das 5 horas convocava-me ao bar Oak Ridge do Algonquin.
Uma antiga tradição fazia do horário a nobre convergência de jornalistas, escritores e teatrologos — intelectuais matriculados — ao lugar.
Por tradição alongada ali se reunia, desde tempos imemoriais, por isso mesmo não registrados, a editoria do New Yorker, a mais tradicional e sofisticada revista literária de todo o mundo. Com 1 milhão de leitores em papel e 100 anos de existência, a New Yorker fez da crônica gênero jornalístico na América e no resto do mundo.
Com a criação da página infinita na web, este número de leitores ampliou-se, com demanda incalculável em todo o Ocidente intelectual. Fui assinante por alguns anos. Pedro Henrique e eu nos emulávamos nos comentários dos artigos mais veementes e eruditos. Coisa de intelectual com fala em lingua estrangeira, como pretensiosamente éramos os dois.
O Oak Ridge Bar abria invariavelmente à 5h pm. Obrigavam-se os frequentadores assíduos e habituais a chegarem cedo para ocuparem o seu lugar de reserva naquela mesinha singular com duas cadeiras. No centro, um sino que, se tocado, atraia de imediato um garçom, “yes, sir?”. Uísque e gelo, algum “amuse-bouche”, como diriam os franceses, e olhos espertos para as descobertas dos personagens mais ilustres em livre circulação no vasto salão.
Nestas alongadas esperas, ao lado da ampla mesa-redonda, da “editoria” do New Yorker, espreguiçava-se Mathilda. A gata anfitriã do velho Algonquin, solene e circunspecta, como são em geral as gatas americanas, circulava entre os convivas, refestelava-se na intimidade de alguns antigos clientes conhecidos e partia para o aconchego de almofadas postas no balcão da recrpçao.
Não por acaso, vislumbrei, certa feita, em roda alegre, Tom Wolf, com a afetação costumeira e Truman Capote, com os seus maneirismos bem cuidados. Era New York e estávamos pelos anos 70, divertidos e habitados por gente inteligente e criativa. Como bao voltaria a acontecer. O mundo embrutecia a olhos vistos e desta crise não haveria de recuperar-se. Pelo menos até agora.
Virginia Woolf haveria de dizer, nesta ambientação sofisticada de inteligência bem arranjada, que “uma mulher deveria ter dinheiro e um quarto próprio, se quiser escrever ficção”…